05/07/2018 as 09:59

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EDITORIAL: Pequenos delitos, crimes importantes

Nas delegacias, as ocorrências consideradas como "pequenos delitos" enchem os arquivos, abarrotam as estatísticas.

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Quem tem hoje um celular furtado, levado por um assaltante, nem sempre procura uma delegacia para realizar um boletim de ocorrência (BO). A causa? A polícia costuma deixar os pequenos crimes sem solução, não investiga e nem dá a importância devida. Se o assaltante não for encontrado no local do crime, provavelmente será descartado de uma apuração.

Nas delegacias, as ocorrências consideradas como “pequenos delitos” enchem os arquivos, abarrotam as estatísticas, mas nunca saem das queixas. Essa estratégia, muitas vezes adotada por falta de estrutura ou de policiais, transforma-se depois num equívoco de grandes proporções. Pequenos crimes às vezes escondem grandes criminosos ou se transformam em grandes delitos.

O furto de um porta-cédulas com talão de cheques e cartões de crédito é facilmente superado pela vítima, que cancela os cartões de forma rápida. O mesmo ocorre com o talão de cheques, sustado sem problemas no banco com a apresentação da queixa policial. Mas o pior vem depois: o criminoso passa a utilizar o talonário aplicando seguidos golpes no comércio. Os comerciantes, especialmente os de pequeno porte, são lesados, muitas vezes em valores altos, e não têm como recuperar o prejuízo.

Em Sergipe, como em todo o país, não se investiga pequenos furtos, como arrombamentos e roubo de toca-CDs. Mas estes pequenos delitos muitas vezes são cometidos em série, por quadrilhas. O pior é que a falta de ação policial contribui, de forma direta, para que a violência perdure. Ao deixar de investigar e combater crimes de pequeno porte, o aparelho policial deixa a população à mercê dos marginais.

Os policiais não podem ir para as ruas investigar os pequenos delitos porque estão empenhados em tarefas que exigem a presença na delegacia, como tomar conta dos presos, ou estão envolvidos nas investigações “mais importantes”, como o tráfico de drogas.

Dizem que essa prática, de ignorar os pequenos delitos, é comum em todo o mundo. Na cidade mais importante dos Estados Unidos o hábito mudou. Quando quis enfrentar o crime com um rigor jamais visto, a polícia de Nova Iorque decidiu não tolerar mais os crimes comuns, os pequenos delitos. Daí surgiu o conceito de “tolerância zero”, adotado depois em vários países.

Para coibir a soma de pequenos delitos, que nunca têm resposta, a polícia norte-americana passou a investigar todos os crimes, e não apenas os de grande repercussão. Pequenos deslizes, abuso de poder, atos de corrupção dos agentes policiais são implacavelmente punidos.

Até os crimes que não causam tanto impacto, como pichações e depredação do patrimônio público, são investigados por lá. É uma norma que deveria ser adotada também no Brasil. É verdade que a polícia precisaria de uma melhor infraestrutura para agir nas ocorrências de menor potencial, mas esse é um passo que precisa ser dado.

Roubos de celular, de toca-CDs, precisam ser apurados. Que se combata também o déficit de policias civis em Sergipe. O que não pode é deixar tantos crimes impunes, sem investigação.