05/11/2018 as 07:39

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A meta é o mínimo!



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No meu dia a dia no Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, tenho me deparado com uma prática que me parece um erro de leitura de sérias consequências para os administrados em geral, titulares do direito à boa administração, entendida como aquela que mais e melhor realiza com menores custos, e que vem passando despercebido inclusive pelos órgãos de controle, interno e externo, ambos de extração diretamente constitucional: neste último incluídos a Assembleia Legislativa, o Tribunal de Contas, o Ministério Público Especial e o Ministério Público Estadual (Art.70/75, Art. 74, Art.70 e 71,e Art. 127, todos da Constituição Federal).


Explico: a Constituição Federal em vigor traz um extenso inventário de Direitos Fundamentais, subdivididos em Direitos Individuais e Coletivos, Direitos Sociais e Direitos Políticos, nessa ordem (Arts. 5º; 6º e 14). O primeiro dos Direitos individuais é o direito à vida (Art. 5º, caput), sem o qual os demais perderiam sentido. Dentre os Direitos Sociais, estão a educação e a saúde (Art. 6º).


Mais adiante, a CF, em tom grave e solene como tudo quanto se deseja levado a sério, prescreve que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco da doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitários às ações e serviços para a sua promoção proteção e recuperação. No tocante às ações e serviços de saúde, a Carta republicana exige percentual mínimo de aplicação de recursos, mas não o fixa, ao contrário do que fez com a educação. Para esta, o percentual mínimo é de 18% para a União e de 25% para os Estados, Distrito Federal e Municípios, calculados sobre a receita proveniente dos recursos que indica (Art. 212). Mas não se imagine que, quanto às ações e serviços de saúde, haja um vazio legislativo. Não, não há. A Lei Complementar Federal 141/2012 trata da matéria, fixando o percentual em, no mínimo, 15% da receita proveniente dos recursos que especifica.


E aí é que reside todo o equívoco de leitura e interpretação, com consequências inquietantes.


Sim, porque o que a Constituição almeja é a maximização da eficácia dos direitos (e garantias) fundamentais, desdobrados em individuais e coletivos; sociais; da nacionalidade; políticos e dos partidos políticos (Arts. 5º a 17).


Isso significa que cumprir o menos quando é possível cumprir o mais é comportamento em desacordo com a Constituição e pois, inconstitucional.


Exemplo: a Lei Orçamentária Anual destina uma dotação suficiente para que, ao final do exercício, se apure que foram gastos com a saúde 70% dessa receita ou mesmo 100%. Todavia, somente se aplicou o mínimo constitucionalmente previsto!!! O que houve? Ineficiência ou ineficácia? Como dar por cumprida a meta da boa administração? Com ter por observado o princípio da maximização dos direitos fundamentais? Como dizer que foi respeitado o preceito segundo o qual a saúde é direitos de todos e dever do estado, garantido mediante políticas públicas sociais e econômicas, que visem a redução do risco da doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação (Art. 196)?


A questão não é de somenos importância, pois a Constituição submete toda a Administração aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência (Art.37, sem o destaque). E não só isso, o que já seria bastante. Quando se trata de uso de dinheiro público, a presunção de inocência não milita em favor do gestor.

Este é que tem o ônus de provar o seu bom e regular emprego. Essa norma é vetusta e consta do idoso Decreto-Lei 200/67 (Art.93). Aliás, a Constituição federal, em primeiro plano, é que submete quem quer que utilize dinheiro público ao dever indeclinável de prestar conta (Art. 70, §1º).


Portanto, a conclusão que se extrai das premissas acima é a de que os órgãos de controle interno e externo não devem ter como boa, firme e valiosa a aplicação mínima em saúde, sem ao menos indagar quais os obstáculos enfrentados para que se tenha aplicado o mínimo ao invés do máximo, respeitada a dotação orçamentária e os eventuais créditos adicionais abertos. E esse ônus caberá ao gestor.


É mais do que hora de cumprir a Constituição.

José Sérgio Monte Alegre/procurador do Ministério Público Especial junto ao TCE