12/11/2018 as 17:08

ARTIGO - MATHEUS BATALHA

O valor do diploma



COMPARTILHE ESTA NOTÍCIA

 

Matheus Batalha Moreira Nery [*]

 

De todos os momentos da vida universitária, um dos que mais gostei de participar foi da minha formatura. Desde então, sempre que posso, compareço aos eventos de formatura dos amigos e, especialmente, dos meus estudantes. Uma das cerimônias que mais gostei foi a de um dos meus melhores amigos. Aconteceu há alguns bons anos atrás. Lembro que ao final, fui lhe dar um abraço e ele, com o seu bom humor de sempre, me disse “passei de futuro do país para problema para a nação”.

A sua jornada para chegar até ali havia sido longa. Começou quando decidiu estudar Ciência da Computação. No ano seguinte, às vésperas do novo milênio decidiu trancar o curso e ir estudar aviação em São Paulo. Foi com a cara e a coragem, e lá ficou por dois anos. Terminado as aulas de voo e passado todos os exames, ele retornou à Aracaju. Não havia emprego nas companhias aéreas. Decidiu que deveria voltar a estudar, dessa vez em outro curso, Sistemas de Informação. Quando iniciou o semestre, surgiu uma oportunidade de estágio em um grupo de varejo. Não era bem o que ele queria, mas a oportunidade estava ali. Assim que conheceu os executivos, resolveu que era hora de mudar. Passou para Administração.

A formatura veio acompanhada de uma surpresa. Em vez de se tornar um problema para nação, como havia profetizado, se tornou gerente de pesquisa da mesma rede de varejo. Durante o estágio, ele gostava de visitar as lojas da rede e conversar com os clientes sobre produtos e serviços para compilar informações úteis. Essa era uma habilidade que seus gestores apreciavam. Logo após a promoção, cursou por dois anos um MBA. Era uma forma de falar no mesmo tom de voz dos executivos com quem convivia todos os dias. As coisas iam de vento em popa até que a crise mundial, no final da década passada, abateu os supermercados e muitos empregos deixaram de existir, incluindo o seu.

Mas, a ausência de emprego durou pouco. Como uma simples reviravolta do destino, se tornou copiloto de outro grupo empresarial. Esta era a chance de realizar seu sonho profissional e ele a agarrou com as duas mãos. Contratado, ele tratou de aprimorar seu ofício e ganhar as preciosas horas de voo, essenciais para progredir na carreira. Ao final de dois anos, uma nova porta se abriu. Dessa vez, em uma companhia aérea nacional.

Ainda na universidade, sempre que podíamos, dedicávamos um bom tempo para colocar a conversa em dia. Um tópico que sempre emergia era a dificuldade que tínhamos para obter informações seguras sobre quais caminhos profissionais poderíamos percorrer. Frequentemente, recorríamos aos professores que, ao seu modo, tentavam nos ajudar fornecendo opiniões e conselhos. Mas, faltava um sistema organizado que facilitasse o processo de compreensão sobre como escolher entre caminhos profissionais difíceis e complexos. Desde então, muita coisa já avançou, mas, infelizmente, no Brasil ainda há muito o que fazer para acompanharmos o que é feito por instituições no exterior.

Lá fora, as universidades mantém ações contínuas de Job Market. Os estudantes são encorajados a refletir sobre o seu futuro desde o início da graduação. Em algumas instituições, como no MIT, esse nível de sofisticação vai além. Os alunos são incentivados a pensarem nos valores essenciais propagados pela instituição como pilares fundamentais para a construção de uma carreira perene e de sucesso. Eles são informados que computação, consultoria e engenharia absorvem o maior número de profissionais, que a média salarial dos graduandos, em 2017, ficou em US$ 88.381,00 anuais, e sabem que aqueles que obtém uma pós-graduação recebem um salário anual médio de US$ 112.719,00. Os melhores alunos possuem uma sala de trabalho na instituição, que divulga amplamente o seus avanços. A educação é vista como desenvolvimento humano. Já no Brasil, poucas são as instituições que superaram o modelo básico de oferta de estágio e pequenas feiras temáticas sobre o mercado de trabalho.    

As universidades no exterior compreenderam que a sua melhor propaganda são seus próprios alunos, e celebram amplamente as suas histórias de sucesso. Elas perceberam também o valor de integrar estas ações ao seu posicionamento global. Neste sentido, o LinkedIn é amplamente usado. As estratégias incluem um relacionamento ativo com empresas e ex-alunos, facilitando as conexões, e um forte trabalho de captação de novos alunos e talentos. Atualmente a rede conta com 562 milhões de profissionais em mais de 200 países. Nela, não há espaço para exibicionismo, e os profissionais se concentram em fomentar o networking. Para os estudantes, essa noção é de grande valor, pois eles podem analisar a evolução de diferentes profissionais e, com isso, traçar seus próprios objetivos.

O meu amigo continua voando. De tempos em tempos, atualizamos a nossa conversa, mesmo que rapidamente tomando um café no aeroporto. Ir para uma grande companhia aérea foi uma difícil decisão para ele, pois envolvia passar muito tempo fora de casa. Atualmente, são oito folgas ao mês aproveitas ao máximo com sua família. Passada a dureza inicial, ele compreendeu que não há sonho sem sacrifício e que a vida profissional é uma estrada longa na qual, além do diploma, carregamos os nossos valores. Eu sempre lembro disso quando entro em um avião.

 

[*] É Doutor em Psicologia pela UFBA e Professor da UNINASSAU. Doutor em Psicologia, estudou Direito Internacional na The Hague Academy of International Law, sediada no Palácio da Paz (ONU). Atualmente, é professor da UNINASSAU. Seus interesses de pesquisa incluem Psicologia, Relações Internacionais e Ensino Superior. Nos últimos anos, participou de diversos programas internacionais, incluindo o Erasmus Mundus e o 100,000 Strong in the Americas, tendo sido premiado pelo fundo de inovação em educação internacional da Casa Branca (EUA), além de ter liderado os esforços que resultaram na criação do Tiradentes Institute na Universidade de Massachusetts, Boston. Twitter: @mbmn ; Instagram: @matheusbatalha

 

 

 ************

 

                               

The University Degree Value

 

 

 

Of all the moments of university life, one that I liked the most was my graduation. Since then, whenever I can, I attend the graduation events of friends and especially of my students. One of my favorite ceremonies was one of my best friends. It happened some good years ago. I remember that in the end I gave him a hug and he, with his good humor, told me "I was part of the country's future, now I’m a problem for the nation".

His journey to get there had been long. It started when he decided to study Computer Science. The following year, on the eve of the new millennium, he decided to drop out to study aviation in São Paulo. He went only with his courage and stayed there for two years. After finishing the flight classes and passing all exams, he returned to Aracaju. There was no job in the airlines. He decided that he should come back to university, this time in another program, Information Systems. When the semester started, an internship opportunity arose in a supermarket company. It was not quite what he wanted, but the opportunity was there. Once he met the executives, he decided it was time to change. He moved to Business.

The graduation came with a surprise. Instead of becoming a problem for the nation, as he had prophesied, he became research manager for the same supermarket company. During the internship, he liked to visit the stores and talk to customers about products and services to compile useful information. This was a skill his managers appreciated. Shortly after the promotion, he attended an MBA for two years. It was a way of speaking in the same tone of voice of the executives with whom he lived every day. Things were well until the global crisis, at the end of the last decade, crushed supermarkets and many jobs ceased to exist, including his.

But the lack of employment was short-lived. Like a simple twist of fate, he became co-pilot of another business group. This was the chance to realize his professional dream and he grabbed it with both hands. Hired, he sought to hone his craft and earn precious flight hours, which are essential to career advancement. At the end of two years, a new door opened. This time in a national airline.

Back at university, whenever we could, we spent a lot of time catching up. One topic that always emerged was the difficulty we had in obtaining reliable information about what career paths we could take. Often we resorted to professors who, in their own way, tried to help us by providing opinions and advice. But it lacked an organized system that facilitated the process of understanding how to choose between difficult and complex professional paths. Since then, much has already advanced, but unfortunately, in Brazil, there is still much to do to follow what institutions abroad do.

Abroad, universities maintain ongoing Job Market actions. Students are encouraged to reflect on their future from the beginning of graduation. In some institutions, such as at MIT, this level of sophistication goes further. Students are encouraged to think about the essential values propagated by the institution as fundamental pillars for building a perennial and successful career. They are told that computing, consulting, and engineering absorb the greatest number of professionals, that the average salary of undergraduates in 2017 was $ 88,381.00 per year, and they know that those earning a postgraduate degree receive an average annual salary of US $ 112,719.00. The best students have an office at the institution, which broadly discloses their advances. Education is seen as human development. In Brazil, few institutions have surpassed the basic model of internships and small thematic fairs on the labor market.

Universities abroad have understood that their best advertisement is their own students, and they celebrate their success stories widely. They also realized the value of integrating these actions globally. In this sense, LinkedIn is widely used. Strategies include an active relationship with companies and alumni, facilitating connections, and recruiting new students and talents. Currently, the network has 562 million professionals in more than 200 countries. In it, there is no room for exhibitionism, and professionals focus on fostering networking. For students, this notion is of great value because they can analyze the evolution of different professionals and, with that, draw their own goals.

My friend keeps flying. From time to time, we refresh our conversation, even if quickly over coffee at the airport. Going to a big airline was a difficult decision for him as it involved spending a lot of time away from home. Currently, he has eight days off a month that he spends maximum time with his family. After the initial hard times, he understood that there is no dream without sacrifice and that professional life is a long road in which, besides the university degree, we carry our values. I always remember that when I get on a plane.

 

 

 

[*] Holds a PhD in Psychology from UFBA and is a Professor at UNINASSAU. Ph.D. in Psychology from the Federal University of Bahia, he studied International Law at The Hague Academy of International Law, headquartered at the Peace Palace (UN). He is currently a professor at UNINASSAU. His research interests include Psychology, International Relations and Higher Education. In recent years, he has participated in a number of international programs, including Erasmus Mundus and 100,000 Strong in the Americas, having been honored by the White House's international education innovation fund, and has led efforts to create Tiradentes Institute at the University of Massachusetts, Boston. Twitter: @mbmn; Instagram: @matheusbatalha