20/11/2018 as 07:41

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Uma Câmara de novatos



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A próxima legislatura foi aclamada por muitos em função do elevado percentual de novos deputados federais. Nada menos do que 269 eleitos não eram deputados federais, isso corresponde a 52% da Câmara dos Deputados. Vamos a uma radiografia desses deputados.


Dos 269, exatos 118 nunca exerceram nenhum mandato eletivo, ao menos para cargos públicos. Em artigo intitulado “Marinheiros de primeira viagem – a trupe do PSL na Câmara” publicado no Congresso em Foco no dia 31 de outubro, mostrei que a maioria desses parlamentares é do partido do presidente eleito: 38. Em seguida vem o Partido Novo com oito marinheiros de primeiríssima viagem, PDT, PP, PRB e PSB cada um com seis deputados sem experiência alguma. PR e PSD elegeram cinco nessa situação, DEM, MDB e PTB quatro cada um, PRP e PT três cada um. A partir daí inúmeros partidos elegeram ou dois ou um deputado que jamais teve experiência política nem no Legislativo nem no Executivo.


A Câmara dos Deputados é muito cuidadosa no treinamento de quem lá entra. Todos os deputados dentre esses 118 que desejarem assistir a cursos antes de assumirem terão essa oportunidade. A capacitação é de altíssima qualidade, e os cursos abordam tudo que diz respeito ao processo legislativo, desde o regimento interno da casa, passando pelo funcionamento interno das comissões e chegando às votações em plenário.


Não só os professores são técnicos legislativos muito experientes, assim como o material escrito distribuído para os novíssimos parlamentares é de elevada qualidade. Quanto a isso, nenhum deles poderá se queixar no futuro. A Câmara dos Deputados (e o Senado também) é muito ciosa acerca do preparo técnico de quem toca a Casa.


De qualquer maneira, esses 118 deputados federais eleitos sem experiência alguma terão uma longa curva de aprendizado na prática da política.

Eles correspondem a quase ¼ de todos os deputados e ficarão nas mãos das raposas da casa, em geral deputados com dois ou mais mandatos consecutivos. Os deputados mais experientes conhecem melhor os funcionários, desfrutam de relações de confiança longamente estabelecida, e acima de tudo são referência para os mais novos, imagine-se então para os inteiramente novos. É possível que o comando prático e real da Casa fique por toda a legislatura nas mãos dos antigos deputados, tendo eles cargos diretivos ou não (é claro que terão).


Há um risco implícito nessa grande leva de novatos, muitos deles têm uma socialização política midiática, especificamente por meio das mídias sociais. É possível que ocorram episódios prejudiciais ao estabelecimento de relações de confiança entre eles, ao menos no início. Não será surpreendente se algum novato gravar, de forma escondida, áudio ou vídeo de reuniões de acesso restrito a parlamentares e alguns assessores, e em seguida divulgar no YouTube ou WhatsApp. Eles estarão violando uma das regras básicas da política, tão bem vocalizada por Otto von Bismarck ao afirmar que o povo não deveria saber como são feitas as salsichas e a política. Se isso ocorrer, os ruídos irão atrapalhar bastante o processo legislativo.


Outra coisa que pode acontecer é a denúncia a partir dos próprios parlamentares dos privilégios dos políticos: salários de assessores, verbas de gabinete e coisas do gênero. É verdade que isso já ocorre por meio da mídia. Porém, será diferente se a denúncia vier de um parlamentar ou mesmo de um partido. É possível imaginar uma entrevista coletiva de toda a bancada do Partido Novo para fazer isso. Novamente, teremos ruídos que por enquanto são estranhos à vida política da Câmara dos Deputados, que irão dificultar a aprovação de qualquer matéria encaminhada pelo governo.


Dos 151 deputados que já tiveram mandato 60 são atualmente deputados estaduais (ou distrital), 34 são vereadores, 15 são prefeitos, 14 já foram deputados estaduais e 13 federais no passado. Além disso, quatro são ou foram senadores – Aécio Neves, Gleisi Hoffman, Lídice da Mata e José Medeiros, que teve o mandato cassado pela Justiça eleitoral – quatro são vice-prefeitos, três são ex-ministros de estado – Alexandre Padilha, Marcelo Calero e Marcos Pereira – três são ex-vereadores e uma vice-governadora, do Mato Grosso do Sul, Rose Modesto.


Ainda que exista alguma experiência política, o salto de vereador e ex-vereador, de 37 deputados federais de 1º mandato, para Brasília não é a melhor qualificação para o cargo. Mesmo o cargo de prefeito, dependendo do porte do município, não é uma das melhores socializações em direção à Câmara dos Deputados.


Provavelmente os que mais preparados estão para o exercício do novo posto são os ex-deputados federais, atuais e ex-deputados estaduais, senadores e ex-ministros, eles totalizam 94 futuros deputados federais, e estão apenas formalmente como parlamentares de 1º mandato na nova casa legislativa.


É fato que a maioria de novatas e novatos na Câmara, principalmente os 118 de primeiríssimo mandato, irão precisar de algum tempo para aprender as regras formais e informais da casa. Até que isso ocorra e, eventualmente, alguns deles venham a ser enquadrados por seus pares no ethos da casa, é possível que vários tipos de comportamentos venham a dificultar o bom andamento dos trabalhos legislativos. A ver.

Alberto Almeida/cientista político