07/03/2019 as 07:43

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A atual crise político-social demanda profetas



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O profetismo é um fenômeno não somente bíblico. É atestado em outras religiões como no Egito, na Mesopotâmia, em Mari e em Canaã, em todos os tempos, também nos nossos. Há vários tipos de profetas (comunidades proféticas, visionários, profetas do culto, da corte etc.) que não cabe aqui analisar.


Clássicos são os profetas do Primeiro Testamento (dizia-se antes Antigo Testamento) que se mostravam sensíveis às questões sociais como Oséias, Amós, Miquéias, Jeremias e Isaías.


Na verdade, em todas as fases do cristianismo esteve sempre presente o espírito profético, como entre nós inegavelmente com Dom Helder Câmara, com o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, com Dom Pedro Casadáliga e outros, para ficar somente no Brasil.


O profeta é um indignado. Sua luta é pelo direito e pela justiça especialmente dos pobres, dos fracos e das viúvas, contra os exploradores dos camponeses, contra os que falsificam pesos e medidas e contra o luxo dos palácios reais. Eles sentem um chamado dentro de si, interpretado no código bíblico, como uma missão divina.


Amós, que era um simples vaqueiro, Miquéias um pequeno colono, e Oséias, casado com uma prostituta, largaram seu afazeres e foram ao pátio do templo ou diante do palácio real para fazer suas denúncias. Mas não apenas denunciam. Anunciam catástrofes e, após, uma nova esperança de um recomeço melhor.


São atentos aos acontecimentos históricos também em nível internacional. Por exemplo, Miquéias increpa Nínive, capital do império assírio: “Ai da cidade sanguinária, tudo nela é mentira. De roubo está cheia e não para de saquear. Lançarei sobre ti imundícies”(3,1.6). Jeremias chama Babilônia de “a metrópole do terror”.


Devemos entender corretamente as previsões dos profetas. Não é que anteveem as catástrofes, como se tivessem acesso a um saber especial. O sentido é esse: a persistir a atual situação e a se negar a mudá-la, de exploração, de práticas contra os indefesos e de abandono da reverente relação com Javé, terá como consequência uma desgraça.


Logicamente desagradam aos poderosos, aos reis e até ao povo. São chamados de “perturbadores da ordem”, “conspiradores contra a corte ou o rei”. Por isso os profetas são perseguidos, como Jeremias que foi torturado e posto na prisão; outros foram assassinados. Poucos profetas morreram de velhos.Mas ninguém lhes fez calar a boca.


Evidentemente há falsos profetas, aqueles que vivem nas cortes e são amigos os ricos. Anunciam só coisas agradáveis e até são pagos para isso. Há um verdadeiro conflito entre os falsos e os verdadeiros profetas. Sinal de que um profeta é verdadeiro é a sua coragem de arriscar a vida pela causa dos humildes da terra e que sempre grita por justiça e por direito e que, incansavelmente, defende o certo e o justo.


Os profetas irrompem em tempos de crise, para denunciar projetos ilusórios e anunciar um caminho que faça justiça ao humilhado e que gere uma sociedade agradável a Deus porque atende aos ofendidos e aos feitos invisíveis. A justiça e o direito são as bases da paz duradoura: essa é a mensagem central dos profetas.


Hoje vivemos em nossa realidade nacional e mundial grave crise. Corpos de cientistas e analistas do estado da Terra nos advertem: a seguir a lógica da acumulação ilimitada, estamos preparando grave catástrofe ecológico-social. Essa é a consequência. Não vamos ao encontro do aquecimento global. Já estamos dentro dele e os sinais são inegáveis.


Essas vozes, das mais abalizadas, não são ouvidas pelos “decision makers” e pelos homens do dinheiro. É antissistêmico e prejudica os negócios.

Em nosso país, mergulhado numa crise sem precedentes, governado caoticamente por pessoas incompetentes e até ridículas, faltam-nos profetas que denunciem e apontem caminhos viáveis para sairmos deste atoleiro.


Na linha profética estão as palavras de Márcio Pochmann:“A se manter o caminho aberto pelo neoliberalismo de Temer e agora aprofundado pelo ultraliberalismo que domina o confuso governo Bolsonaro, o sentido do Brasil tende a ser o da Grécia com fechamento de empresas e quebra da administração pública. O pior rapidamente se aproxima”. Outros vão além: “a se imporem as reformas político-sociais, conformes à lógica do mercado, meramente competitivo e nada cooperativo, o Brasil poderá se transformar numa nação de párias”. Precisamos de profetas, religiosos, civis, homens e mulheres ou pelo menos que tenham atitudes proféticas, para denunciar que o caminho já decidido será catastrófico.


Dão-nos esperança as palavras de Isaías: “O povo que vive na escuridão, verá grande luz, habitantes em regiões áridas, a luz resplandecerá sobre eles” (6.1).

Leonardo Boff/é um dos formuladores da “Teologia da Libertação”