10/05/2019 as 07:42

ARTIGOS

O Estado precisa de conselhos



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A Constituição Federal enfatiza, repetidas vezes, a necessidade de garantir o caráter democrático e descentralizado da administração pública, a democratização dos processos decisórios, através da participação da comunidade e da sociedade nos processos de formulação das políticas públicas, e de monitoramento e accountability da sua execução (ex. arts. 194, 198, 204, 216). Os conselhos, fóruns e órgãos colegiados são espaços, ou instâncias, que permitem pôr em prática este preceito constitucional. Não são contra o governo. Pelo contrário, existem para fortalecer o Estado.


Essas instâncias podem ser consultivas e/ou deliberativas. No caso da Saúde, o Conselho Nacional é o órgão máximo de tomada de decisão. Geralmente, os conselhos têm claramente definidas as suas estruturas, que na maioria das vezes são de composição paritária entre representantes do governo e representantes da sociedade civil. Têm, igualmente, mecanismos claros de eleição de seus integrantes com critérios que exigem atuação e experiência comprovadas na área específica. São uma expressão da democracia representativa e participativa. A participação neles é voluntária e não remunerada. Geralmente reúnem pessoas de notório saber com grande capacidade para contribuir com o aprimoramento das políticas públicas, seja na formulação das mesmas, seja no monitoramento de sua execução. São espaços próprios da democracia. Na Grécia Antiga, o espaço era a praça pública, hoje são os conselhos.


Os conselhos não são para referendar o que o governo quer, são para ouvir, propor e recomendar. Os conselhos servem exatamente para fazer o que o nome sugere: aconselhar. São espaços que permitem consultar diferentes áreas do governo, especialistas e representantes da sociedade civil reunidos neles sobre propostas de políticas públicas antes de serem lançadas, a fim de ouvir sugestões, críticas e elogios, visando assegurar que sejam as mais adequadas possíveis. Quando várias pessoas pensam juntas em torno de uma questão, as chances de errar são menores. A população não é o problema, é parte da solução.

Podemos dar o exemplo do programa brasileiro de aids, que se tornou uma referência mundial, porque escuta as pessoas mais afetadas pela epidemia e formula as políticas de acordo com suas necessidades, fundamentadas em princípios de direitos humanos e critérios epidemiológicos, conforme preconiza a lei orgânica do Sistema Único de Saúde.


Otimizar recursos, ninguém é contra. É possível sim usar as tecnologias para realizar reuniões virtuais. No entanto, as reuniões presenciais são fundamentais porque permitem um grau de articulação, diálogo e entendimento que não é possível no ambiente virtual.


Entende-se que a atual administração federal se comprometeu e tem preocupação com um governo “mais” enxuto, com menos gastos. No entanto, suspender e colocar em xeque os conselhos e instâncias afins não previstos em lei representa uma possível ameaça à democracia e aos mecanismos democráticos decisórios construídos no Brasil nos últimos 30 anos. Destituir esses mecanismos teria implicações muito além da diminuição de despesas: surge a sombra de um possível regime autoritário e antidemocrático, com tomada de decisão monocrática alheia aos preceitos constitucionais da participação da sociedade neste processo. Para preservar a tomada democrática de decisões sobre questões que afetam diretamente a população, o Estado precisa de conselhos.

Toni Reis/professor, formado em Letras pela UFPR