29/04/2022 as 08:41

OPINIÃO

Monopólio da verdade é incompatível com a liberdade

O combate às chamadas fake news é a nova coqueluche mundial, e é objeto do discurso politicamente correto de líderes engajados mundo afora.

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O combate às chamadas fake news é a nova coqueluche mundial, e é objeto do discurso politicamente correto de líderes engajados mundo afora. Mas o que são fake news? Elas podem ser definidas como desinformação ou boato distribuído de forma intencional, via meios de comunicação, oficiais ou não. Em português claro, nada mais são do que notícias falsas, fofocas ou boatos, que são práticas existentes desde os primórdios da comunicação humana. Sabemos que a mentira só pode ser combatida com a verdade.

Mas com o desenvolvimento das relações humanas e o surgimento das primeiras sociedades organizadas, a desinformação era cada vez mais difícil de ser desmentida. Isso gerou a necessidade de que houvesse uma referência, alguém com credibilidade reconhecida por aquele grupo social, que desse uma versão oficial dos fatos que seria aceita por todos. Com o advento da criação do Estado, esse ente passou a exercer esse papel e deter o monopólio da verdade. Porém, o poder de dizer o que é verdade deu a muitos tiranos a chance de calar vozes que colocassem em xeque as suas versões sobre os fatos, sobretudo aqueles fatos cujas versões reais lhes eram incômodas, ou atrapalhariam seus planos de poder. Isso é verificável quando analisamos o surgimento dos regimes totalitários. Uma das primeiras ações dos ditadores era censurar a livre manifestação de pensamento e centralizar a informação nos meios de comunicação controlados pelo governo.

Assim, o tirano passava a determinar a narrativa, e em alguns casos, até reescrevia a história a ser contada dali por diante. Com o passar dos anos e o avanço da tecnologia, observou-se uma revolução no acesso à informação. As redes sociais furaram essa bolha e permitiram que pessoas comuns começassem a fazer suas próprias análises, críticas, reflexões e questionamentos a partir de informações que recebem de outras fontes não-oficiais. Desde coisas triviais do cotidiano, até assuntos que antes eram restritos a uma elite, como o debate mais sofisticado sobre política, que vai muito além do mero ato de votar numa eleição. A análise desse contexto é importante para entender a preocupação atual em torno das notícias falsas. De alguns anos para cá, a profusão de informações circulando livremente começou a ser um problema para os habituais formadores de opinião. Eles perderam o monopólio da verdade.

Para alguns deles, é inadmissível que um cidadão comum tenha condições de se informar corretamente sem recorrer ao filtro de credibilidade que eles se autoconcederam. Por óbvio, não se pode desconsiderar que uma notícia falsa hoje tem o poder de se alastrar muito mais rapidamente nos meios virtuais. Por isso mesmo, o dano à imagem da vítima de uma notícia falsa é muito mais efetivo e, portanto, de difícil reparação. Porém, a nossa legislação já prevê os tipos penais de calúnia, injúria e difamação, além de outros crimes mais graves que também podem ser cometidos pela internet. Ocorre que, a pretexto de combater notícias falsas, muitos têm cedido ao desejo autoritário de cercear a liberdade de expressão. Querem atribuir a esse problema um tamanho maior do que realmente tem, a fim de criar um pretexto para silenciar vozes que desnudam verdades inconvenientes. É uma forma de tentarretomar o monopólio da verdade, ainda que seja pelo medo, tal qual osditadores do passado. E essa ameaça autoritária é maisperigosa quando ocorre no contextode disputas eleitorais.

Parece um contrassenso, mas burocratas não-eleitos estão ditando o que pode ou não serdito por aqueles que buscam conquistara representação popular pelo voto. Issoé temerário, pois pode produzir efeitospara fora do debate eleitoral e distorcera vontade popular. Essa discussão é delicada e complexa, e por isso deveser enfrentada de maneira responsável,para que não haja a relativização dedireitos e garantias fundamentais. Aliás, em que momento censurarpreviamente alguém, é defender ademocracia? Não seria essa uma dasações mais antidemocráticas queexiste, e que por isso é vedada pela Constituição? Quando passou a ser normal pessoas serem presas -- inclusive jornalistas - no âmbito de inquéritos opacos,eivados de ilegalidades, sem acusaçãoformal de crime, sem que advogadostenham acesso aos autos, sem que haja uma delimitação do objeto dainvestigação, e que subvertem a lógica da persecução penal?

O devidoprocesso legal foi abolido em nome do combate às notícias falsas? Essa batalha quixotesca não podeservir de biombo para esconder afrontas ao livre pensamento, à liberdadede imprensa, e sobretudo ao direito de questionar. Uma nação livre edemocrática não pode tolerar isso. Averdade não pode mais ser monopóliode ninguém! Sobretudo daqueles queviolam liberdades democráticas como pretexto de resguardá-las.

* ISMAEL ALMEIDA É CONSULTOR POLÍTICO E ESPECIALISTA DA FUNDAÇÃO DA LIBERDADE ECONÔMICA