16/11/2018 as 10:22

Intolerância/religião

Religiosos de matriz africana sofrem preconceito em Sergipe

Segundo o MDH, a cada 15 horas alguém denuncia um caso de intolerância.

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Religiosos de matriz africana sofrem preconceito em SergipeFoto: Jadilson Simões/Equipe JC

O jovem Cristóvão Carvalho, de 26 anos, vem tentando alugar um imóvel há cerca de três meses. Ele é umbandista e tem o intuito de montar o seu templo religioso. Mas, segundo ele, ao tomar conhecimento da destinação do aluguel, o proprietário sempre recua e desiste de fechar negócio.


“Tem um tempo que venho tentando alugar uma casa e quando falo para o proprietário que é para a instalação de um centro umbandista, eles nem me retornam. Na verdade, existe um certo preconceito diante disso e as pessoas têm receio. Hoje, estou com uma casa alugada, mas estou com as mãos acorrentadas, porque o dono do imóvel deixou eu fazer apenas orações e não posso fazer os cultos como devem ser. Não posso tocar atabaque, não posso fazer muito barulho”, explica Cristóvão.


Ele disse ainda que, mesmo através de imobiliária, a resposta é sempre negativa. “Estou num beco sem saída, pois preciso trabalhar com consultas e não posso abrir as portas. Tem que ser algo escondido. Já tentei por sete vezes e ninguém me aluga. Este último, aceitou, mas com o propósito de não fazer muita exposição e não abrir a casa para pessoas”, completa o jovem.


O JORNAL DA CIDADE entrou em contato com uma imobiliária, através do telefone, informando ter interesse em alugar um imóvel para montar um templo umbandista. A atendente foi enfática ao informar que não haviam imóveis disponíveis para esse tipo de locação. Segundo ela, as exigências são dos próprios locatários.


E esse não é um caso isolado de intolerância às religiões de matrizes africanas. Recentemente, após a morte de um garoto no bairro Soledade, um babalorixá teve a sua residência incendiada após acusações de que a morte estaria ligada a um ritual de magia negra. Além disso, existem relatos constantes de apreensões de atabaques utilizados nos templos.


Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos (MDH), até o fim de 2017, a cada 15 horas foi registrada uma denúncia referente à intolerância religiosa no Brasil.


A proprietária da Casa de Caridade Navegantes de Oxalá, Mãe Angélica, que há 38 anos tem o candomblé como religião, afirma ter sido vítima de preconceito velado, mas nunca ostensivo. Ela atribui isso à sua posição social, uma vez que é advogada e atuou como procuradora do Estado até a aposentadoria.


“Existe o preconceito para qualquer pessoa que está começando. Um rapaz como o Cristóvão, muito novo, sofre sim com o preconceito. Sou advogada e fui procuradora do Estado por muitos anos e não agiam com mais resistência devido ao meu status”, afirma Mãe Angélica.


Atualmente, a Secretaria Municipal de Assistência Social possui uma gerência de Igualdade Racial que está atrelada à Diretoria de Direitos Humanos e que é responsável por acompanhar e desenvolver políticas públicas voltadas para esse segmento da sociedade.


Por lá, já foram realizadas visitas a 85 terreiros, apesar da gerência ter ciência da existência de pelo menos 150 na cidade de Aracaju.


“A gente acompanha e movimenta uma rede. Não temos o papel de diretamente influir naquele problema, mas movimentamos uma rede, através do DAGV, do Ministério Público, a própria Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Toda essa rede contribui no sentido de dar amparo a essas casas que sofrem perseguição. Essa intolerância é proveniente do racismo. Primeiro a negação que existe o racismo já é o próprio racismo. Quando a gente nega a existência do problema, a gente não consegue superar. Isso gera a violência, o preconceito”, lamenta a gerente de Igualdade Racial da Secretaria de Assistência, Laila Oliveira.


Enquanto isso, Cristóvão continua a sua busca incessante por um imóvel para continuar realizando o seu trabalho na religião que escolheu para si.