19/09/2019 as 18:17

RACISMO

Fator raça continua condicionando o acesso aos direitos fundamentais, aponta promotora

Em palestra no Conadi 2019, a promotora de justiça da Bahia, Lívia Vaz, falou sobre "Racismo e cotas raciais na realidade brasileira"

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O Atlas da Violência 2019, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), mostra que entre 2007 e 2017, o número de homicídios de pessoas negras, entre pretos e pardos, no Brasil, cresceu 33,1%. Seria esse um atestado do contínuo processo de desigualdade racial do país, visto que outras edições da pesquisa relataram índices parecidos. O Atlas expõe que a taxa de homicídios por 100 mil negros foi de 43,1, ao passo que a taxa de não negros, incluindo brancos, amarelos e indígenas, foi de 16,0.

Quando parte para um recorte de gênero, considerando os números de homicídios que vitimaram mulheres no Brasil, a desigualdade racial permanece latente na comparação entre mulheres negras e não negras vítimas de homicídio segundo dados do Atlas da Violência. Enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras teve crescimento de 4,5% entre o período de 2007 a 2017, a taxa de homicídios de mulheres negras cresceu 29,9%.

Mas, não é apenas na esfera da violência que o fator raça tem condicionado pessoas aos direitos fundamentais. De acordo com a promotora de Justiça da Bahia, mestra em Direito Público e doutoranda em Ciência Jurídico-Políticas em Lisboa, Lívia Vaz, o racismo permanece no Brasil de maneira estruturante, envolvendo todas as relações, sejam elas culturais, sociais, polícias ou econômicas.

“A nossa sociedade é hierarquicamente racializada. Se partirmos da pirâmide sócio racial do Brasil, as mulheres negras estão na base da pirâmide. São as que menos recebem. São as que tem a menor renda mensal, ainda que para realizar os mesmos tipos de atividades. Em seguida estão os homens negros, depois as mulheres brancas na sequência, e no topo, o homem branco. Por isso que se faz necessária uma análise séria sobre as desigualdades no nosso país, levando em consideração o fator raça. Tem que estar em todos os fatores. Desde os tipos de violência mais efetivos, até a violência sócio econômica, além dos acessos como saúde, educação, que são básicos”, pontua.

Ainda conforme a promotora, a legislação é satisfatória em termos de combate ao racismo, porém, somente isso não poderá garantir a promoção da igualdade racial. Segundo ela, atos de racismo precisam e devem ser duramente combatidos, mas, é necessário ir além, com políticas públicas e ações positivas que possam garantir os acessos aos direitos fundamentais para mais da metade da população, já que os negros significam 54% da população brasileira.

“Temos diversas políticas que precisam ser colocadas em prática. Partindo desde as políticas de reparação. Porque os negros foram proibidos por lei de frequentar escolas, por décadas. E isso, quando a gente fala em meritocracia pura, a gente está esquecendo esse passado racista, onde a corrida por esse mérito já começa muito desigual. Então deve se investir mais nas políticas de cotas, garantindo que elas sejam efetivadas.  Na primeira vez que se reconhece algum tipo de reparação pelo fato da pessoa ser negra, aí surge a figura que a gente conhece como afro conveniência, que são pessoas que não são negras, nem sofrem com racismo, mas, se autodeclaram negras para utilizarem das cotas raciais. Por isso que não basta termos a política no papel, quando efetivamente não conseguimos cumprir essa legislação de afirmação tão importante”, conclui Lívia.

O Brasil é composto por 54% de pessoas negras, contudo, onde essas pessoas estão representadas? “Não estão no poder executivo, legislativo e judiciário. Não está representado nas academias. Quem vai pautar as questões e demandas específicas da população negra por reparação por racismo? Tudo isso tem ficado muito às custas dos movimentos negros, e do controlo social que eles fazem, mas que em tanto tempo de história, conseguiram avançar minimamente. Não há como a buscarmos promover a igualdade racial, se as pessoas negras não conseguem acessar esses espaços de poder”, ressalta a promotora.

Esse assunto, de esfera bastante pertinente, foi discutido entre participantes do Congresso Nacional de Direito (Conadi), promovido pela Universidade Tiradentes (Unit), durante palestra com tema “Racismo e Cotas Raciais na Realidade Brasileira”, ministrada pela promotora Lívia Vaz, na tarde desta quinta-feira, 19.

 

|Reportagem: Laís de Melo

||Foto: Assessoria de Comunicação da Universidade Tiradentes