22/11/2019 as 07:48

ENFRENTAMENTO AO RACISMO

Em 2 anos, já são 241 registros de injúria e racismo

Levando em conta os casos de racismo, houve aumento de 350% comparando com 2018

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Na semana em que se comemora o Dia da Consciência Negra, o 20 de novembro, relembrar um dos episódios que mais chocaram a sociedade sergipana no que diz respeito ao racismo, se faz bastante necessário.

Quem não se recorda do caso da médica Ana Flávia Pinto Silva que, movida por um sentimento de ódio, proferiu palavras ofensivas e de cunho racista contra um funcionário da empresa Gol, no Aeroporto de Aracaju?

A médica embarcaria em lua-de-mel para Buenos Aires no dia 26 de outubro de 2009, mas chegou atrasada ao aeroporto e foi impedida de viajar. Enfurecida, ela sentou na esteira que transporta as malas no check in na tentativa de impedir que outros passageiros também embarcassem.

A ação foi filmada e não deixou dúvidas quanto ao ataque discriminatório. No vídeo, Ana Flávia diz: “cachorro, nêgo e morto de fome. Quem vai pagar a minha passagem? Esse morto de fome, que não tem nem onde cair morto? É um povo, bando de analfabeto, morto de fome, que não tem dinheiro nem para comprar feijão para comer”, atacou a médica.

Devido a isso, dois anos depois, Ana Flávia foi condenada pelo Tribunal de Justiça de Sergipe (TJ/SE) a pagar a quantia indenizatória de R$ 20 mil ao atendente.

Apesar do lapso temporal, o caso poderia ser facilmente confundido com os dias atuais. Hoje, a situação ainda é corriqueira e terminam em registros de boletins de ocorrência que, em alguns casos, vão parar nas barras da Justiça. Nos últimos dois anos, a Justiça sergipana se deparou com três processos desta natureza.

Levando em conta os casos de registros de Boletim de Ocorrência para casos de racismo e injúria racial no Estado, em dois anos, já são 241 registros. Destes, 219 para o crime de injúria racial.

O crime de injúria racial é previsto no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal. A injúria racial acontece quando o agressor ofende a dignidade de uma pessoa, e não da coletividade.

Já o crime de racismo acontece quando há uma discriminação generalizada contra um coletivo de pessoas: quando um determinado grupo é impedido de acessar certos lugares por conta de sua raça, etnia ou religião; ou quando alguém xinga um grupo de pessoas com base nestas características.

“Dia 20 de novembro, comemoramos o dia da Consciência Negra, data escolhida em homenagem a Zumbi dos Palmares, importante protagonista pelo fim do período mais horrendo da história do nosso país, data que nos convida para uma reflexão sobre a importância da cultura negra e o legado de um povo. Dia também para refletir e reiterar a disposição de sempre combater o preconceito e discriminação por raça, cor ou etnia”, pontua a delegada da Delegacia de Atendimento a Crimes Raciais, Meire Mansuet.

A autoridade policial alerta para a gravidade deste tipo de crime e que a vítima deve denunciar e encontrará amparo legal e aparato para seguir adiante.

“O racismo é uma chaga que ainda esgaça o tecido social de forma acintosa, mas que, ao ser denunciado, é punindo através do sistema de justiça. Até mesmo a injúria racial, deve ser denunciada para que tal abjeto delito seja investigado e também punido. Verificamos a ocorrência de injúria racial quando uma pessoa utiliza palavras para diminuir e ofender outra pessoa, fazendo referência a sua cor. Ambas condutas são criminosas e não podem passar impunes”, diz a delegada.

Para o coordenador da Coordenadoria de Igualdade Étnico-Racial (COPIER) do Ministério Público de Sergipe (MP/SE), o promotor de Justiça Luís Fausto Valois, a representatividade negra deve ser levada em consideração para que jovens afrodescendentes tenham espelhos positivos dentro da sociedade.

“É de suma importância que essa questão do enfrentamento ao racismo seja debatida em toda a nossa sociedade, porque quando nós excluímos uma parte da nossa população, e essa parte da população que hoje alcança mais de 54% da nossa população, e aqui em Sergipe, segundo dados recentes do IBGE, mais de 70% se reconhece como negra e parda, quando se exclui essa parte, nós estamos colocando à margem da sociedade, dificultando o acesso aos seus direitos, impedindo a mobilidade na pirâmide social, impedindo jovens de se espelhar e ter vultos com as suas características, que sejam referenciais para que se tornem cidadãos de bem”, ressalta o promotor.

A pena para quem comete injúria racial é de um a três anos de prisão, além de multa. Já para o crime de racismo, a pena é de prisão e pode ser de um a cinco anos, dependendo da gravidade do caso. O crime é inafiançável e imprescritível: no caso de quem é condenado, não é possível pagar fiança; para a vítima, não há prazo para denunciar o crime.

 

 

| Reportagem: Diego Rios

|| Foto: André Moreira