15/02/2020 as 09:30

MÃE DENUNCIA TORTURA

“Meu filho foi torturado no Cope”, diz Maria José Barreto

Em depoimento prestado na Corregedoria, Gutemberg Barreto relata choques, afogamentos, além de muita pancada

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“Hoje é o meu aniversário, mas será o pior aniversário da minha vida. Meu filho está preso, acusado por um crime que não cometeu, ele não matou o advogado Jarbas. Ele foi obrigado a confessar à base de tortura. Quando eu cheguei ao Cope para ver ele, meu coração partiu, ele estava todo esbagaçado e os policiais não me deixavam conversar com ele”.

O relato é de Maria José Barreto, mãe de Gutemberg Barreto, conhecido como Papá, que está preso no Complexo Penitenciário Manoel Carvalho Neto (Copemcan), em São Cristóvão, acusado de estar envolvido na morte do advogado Jarbas Feitoza de Carvalho Filho, vitimado no dia 11 de março do ano passado, no Povoado Papel de Santa Luzia, em Aquidabã.

O advogado teria ido com Gutemberg até uma fazenda para fazer a troca de um pônei, quando foi surpreendido por um homem em uma motocicleta, que anunciou um assalto. Apesar de Jarbas não reagir e entregar um envelope com dinheiro e o aparelho celular, ainda assim, o assaltante efetuou disparos de arma do fogo contra ele, que foi socorrido, mas não resistiu aos ferimentos.

Papá era amigo pessoal e trabalhava para o advogado. Ele foi preso dias depois do crime por uma equipe do Complexo de Operações Policiais Especiais (Cope), acusado de porte ilegal de arma de fogo, visto que, segundo o próprio Papá, o primo da vítima, Luís Aureliano Carvalho, conhecido como Luisinho, teria dado a arma para que ele se protegesse após o que aconteceu com Jarbas. Ainda segundo Papá, Luisinho também afirmava que recebia ligações dizendo que queriam matar Papá.

Para ficar ainda mais claro, Papá foi preso por porte ilegal de arma de fogo, mas, estranhamente, dias depois da prisão, o acusado confessou o envolvimento na morte do advogado Jarbas, passando 26 dias no Cope até ser transferido para um presídio sergipano. De lá para cá, ele vem clamando para que o Judiciário sergipano o torne inocente e denuncia ter sido torturado para que confessasse a participação no crime.

No último dia 15 de janeiro, Papá foi ouvido pela Corregedoria da Polícia Civil, sob responsabilidade da delegada Teonice Alexandre de Santana, e o que ele narra é chocante.

Logo de início, ao chegar no Cope, Papá afirma que o informaram que, se ele não assumisse o crime do advogado, ele seria morto, pois já haviam ordens para isso. Já no período da noite, ele foi levado até a sala do delegado André David, que passou a interrogá-lo e, ainda segundo o acusado, não satisfeito com as respostas, deu-lhe diversos socos nas costelas, enfatizando que teria ordens para matá-lo.

Já na manhã seguinte, o acusado diz que voltou à sala do delegado André David, que colocou uma máscara em seu rosto, do tipo máscara da morte, e mandou chamar dois policiais, que chegaram usando “bala clava” e receberam a ordem do próprio delegado para que o levassem a dar um passeio.
Um desses policiais teria levado Papá até o estacionamento do Cope, dando-lhe uma pesada nas costas e o jogando em um porta-malas de um carro, mesmo Papá informando que era hipertenso e que poderia morrer lá dentro. Por lá, ele permaneceu cerca de vinte minutos até o porta-malas se abrir e ele perceber que estava no meio do mato.

De acordo com o relato de Papá, um dos policiais pegou o celular para filmar, enquanto o outro colocou uma bolsa plástica na cabeça dele e passou uma fita crepe em seu pescoço, com o objetivo de sufocá-lo. Ele conseguiu rasgar com a boca e, após o policial perceber, outros dois sacos foram colocados na cabeça dele.

Ele, ainda dentro da mala do veículo com as mãos algemadas, deu um impulso, caindo no chão desacordado. Ao recobrar a consciência, um dos policiais estava jogando água em seu rosto, enquanto o outro dava socos em seu tórax, na tentativa de reanimá-lo. Mais uma vez, os policiais perguntaram se ele não iria assumir a participação no crime. Papá dizia, veementemente, que não assumiria algo que não fez.

Nesse momento, os policiais amarraram suas pernas e amordaçaram sua boca com uma flanela, pegando uma garrafa com água e despejando na boca e no nariz de forma simultânea, causando-lhe a sensação de afogamento. A todo instante, a vítima chorava e clamava para que parassem.

Acusado disse ainda em depoimento que, não satisfeitos, abriram uma maleta preta e tiraram um objeto que parecia com uma lanterna, desceram a roupa de Papá. Um dos policiais pediu para que o colega molhasse o declarante da cintura para baixo e passou a lhe aplicar choques nas partes íntimas. Papá disse que no primeiro choque não se controlou e urinou. Já no segundo choque, a vítima defecou. Um terceiro policial, que não participou das sessões de tortura, apenas dirigiu o veículo, pediu para que parassem, pois já estava anoitecendo. Papá, então, foi levado de volta ao Cope. Assim que chegou, os policiais teriam o levado para tomar banho de mangueira em um jardim ao lado da cela.

Já no dia seguinte, por volta das 16h, foi levado a uma sala onde estavam quatro policiais. Um deles era magro, baixo, usava aparelho nos dentes, tinha a cor negra e os cabelos gastos. Porém, algo chamou a atenção de Papá: a voz dele e sotaque baianos. Era a mesma voz de um dos policiais que o torturou no dia anterior.

Ele também reconheceu a voz do segundo policial da cena anterior. Ele descreve como sendo de cor negra, estatura baixa, meio forte, aparentando ter cerca de 45 anos, além do mesmo sotaque baiano.

Nessa sala, mais uma vez, Papá seria torturado para confessar a participação na morte do advogado Jarbas. Segundo ele, colocaram uma bolsa plástica em sua cabeça, deram-lhe um tapa, fazendo-o cair no chão e o cobrindo de murros, além de pisar em sua cabeça. O ápice das agressões se deu quando um deles pegou um alicate e arrancou a unha do seu dedo indicador. Nesse momento, já sem forças, Papá pediu para que parassem e disse que assinaria o que eles quisessem. “Gordinho, eu sei que não foi você, mas o mundo é para o mais esperto, você foi burro”, finalizou o policial com esta frase, segundo o depoimento de Papá à Corregedoria.

“Eu chegava para ver o meu filho no Cope e os policiais vinham para cima, sem deixar que eu conversasse com ele. Falava com a boca quase encostada. Ele estava totalmente desfigurado. Corri atrás para que um advogado me ajudasse a denunciar essa tortura e foi o que aconteceu. Sei que foi o Luisinho quem armou para o meu filho, ele é inocente. Minha vida está arruinada, vendi uma casa de R$ 200 mil e já gastei todo o dinheiro para tentar salvar o meu filho. Hoje, moro de favor com a minha mãe. Mas, creio que Deus vai mudar essa situação”, lamenta Maria José, mãe de Papá.

De acordo com Vagner Rogeris, advogado responsável pela defesa de Papá, foi pedido a impronúncia dele devido à fragilidade nas provas. “O processo está em sede de alegações finais. Já apresentei as minhas alegações e pedi ao juiz a impronúncia dele, que é a absolvição devido à fragilidade das provas. Foram ouvidas mais de 20 pessoas e não há uma testemunha ocular do crime, a única coisa que ligou ele ao crime foi a confissão dele à base de tortura. O juiz já determinou a instauração de inquérito para apurar”, disse Vagner.

 

FATO NOVO

Ainda segundo ele, um fato novo acontecido nesta sexta-feira, 14, deve mudar os rumos do processo. A Justiça abriu inquérito contra Luís Aureliano, o Luisinho, por porte ilegal de arma de fogo. Vale ressaltar que a arma em questão é mesma a encontrada em poder de Papá.

“Vi hoje que o juiz mandou instaurar inquérito para processar o senhor Luís Aureliano por ter cedido uma arma de fogo a Papá, o que está comprovado mediante interceptação telefônica. Foi ele quem deu uma arma a Papá e ele mesmo denunciou que Papá tinha uma arma para que fosse preso. O juiz também instaurou inquérito contra outra pessoa que forneceu as munições para Papá. Ele está sendo processado por porte ilegal de arma de fogo”, finalizou o advogado.

A equipe de Reportagem tentou o contato com Luís Aureliano para falar sobre as acusações, mas não obteve sucesso. O Ministério Público Estadual (MPE), através da Promotoria de Controle Externo da Atividade Policial, informou que ainda não recebeu o procedimento e só irá se pronunciar após tomar ciência dos fatos.

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Estado de Sergipe (SSP/SE), existem provas periciais irrefutáveis da participação de Gutemberg, além de depoimentos com detalhes da participação do mesmo. Ainda segundo a SSP, agora cabe ao Ministério Público acompanhar o caso.

|Da redação do JC
||Foto: Divulgação