05/03/2020 as 08:22

Legalização

Maconha ‘skunk’ domina mercado

Droga possui alta potência, e há livre comércio através de redes sociais diante de apelos de usuários pela legalização

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A legalização da maconha vem sendo discutida há algum tempo, porém, a liberação para fins medicinais foi feita somente em dezembro do ano passado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Apesar disso, o comércio ilegal da droga movimenta milhões e acontece em diferentes meios, a exemplo, inclusive, das redes sociais.

                                            

E não é preciso ir longe para realizar a compra da substância. Ela está cada vez mais entranhada nas rodas de conversa, dentro de escolas, na internet e através de grupos de WhatsApp. Isso mesmo, trata-se de um mercado que, mesmo com a marcação incessante da polícia, ele acontece onde menos se imagina. Em Sergipe, a venda de maconha parece ter sido modernizada, ou melhor, uma nova onda conhecida como “skunk” tem feito a cabeça de centenas de usuários de diferentes classes sociais.
A equipe de Reportagem do JC adentrou nesse aparente submundo desta droga e conheceu histórias de pessoas que consomem o produto e não veem problema algum em levar a sua vida com normalidade.


De início, para que fique claro, durante muito tempo era mais comum encontrar, em Sergipe, uma espécie de maconha conhecida como manga rosa. Porém, ela migrou e hoje é mais manipulada no estado de Pernambuco. Atualmente, o tipo mais comum no estado é a maconha prensada, proveniente do tráfico. Trata-se de uma espécie de baixa qualidade e que, normalmente, se compra pelo valor de R$ 5 ou R$ 10. Já a maconha natural, conhecida como “soltinha”, é mais difícil encontrar devido ao volume que ocupa. Por exemplo, 50 gramas do produto é um pacote enorme e coloca em risco a logística de distribuição, uma vez que induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga é crime no Brasil.

Em relação à Skunk, ela está no cenário de Aracaju há uns 5 anos. Começou com um preço muito elevado, ainda se mantém alto, e já apresenta variedades, a exemplo do tipo Colômbia, do ‘lemon’, que é de limão, e alguns outros sabores.


No mercado, você consegue por R$ 25 a grama, mas, comprando em grande quantidade, pode baixar para R$ 18. Segundo informações de um desses revendedores, a margem de lucro chega a 100%, dependendo da escassez, se a polícia apreendeu muito ou se é tempo de festa. Sobre os efeitos causados, a equipe entrou em contato com Celso Queiroz, que reside em São Paulo e há 10 anos estuda a droga, além de desenvolver a Smoke Buddies, maior portal sobre maconha do Brasil. 


“A maconha que chama de skunk, que é a forma real da maconha, tem todos os seus canabinóides e terpenos, não sofreram degradação. O skunk tem um cheiro ou sabor diferente a depender da genética. Você consegue ter todo o controle do que você vai ter de efeito. Já a maconha tradicional, tem algumas diferenças. Aqui em São Paulo, a gente não tem tanto acesso à manga rosa e ao soltinho como no Nordeste. A gente tem acesso ao prensado do tráfico”, explica o estudioso.

Ele vai mais além na explicação: “quando você compra a semente, você escolhe qual a potência dela, a quantidade de THC, a quantidade de CBD. Você compra sabendo o sabor, o efeito e o cheiro. Ela já vem mais potente porque se trata de sementes que foram feitas cruzas com outras sementes. Ela é mais forte porque foi selecionada. A do soltinho foi uma semente que hermafroditou para perpetuar a espécie. Na verdade, ela começa a se autopolinizar e dar semente e eles pegam essas sementes e replantam”, pontua Queiroz.


Em se tratando dos efeitos, a equipe de Reportagem conversou com um homem de 34 anos, bem-sucedido profissionalmente, e que faz uso da substância há 16 anos. Segundo ele, o início do consumo se deu com os amigos. Para não o identificar, o chamaremos, a pedido próprio, de Zohan.


“Utilizei a primeira vez aos dezoito anos, hoje tenho 34. Comecei a fazer uso frequente depois dos 27 anos, quando comecei a trabalhar e a minha condição financeira ficou boa e eu comprei à vontade. Hoje em dia, meu uso está controlado. Minha primeira vez foi com maconha solta, que é a mais fraca. Foram os amigos do rock que chamaram para fumar no fundo do condomínio, eu ficava com medo da minha mãe e da minha vó descobrir, uma pilha. Fiquei o primeiro dia do lado dos caras, observando, fiquei o segundo dia, no terceiro decidi fumar. Fumei, fumei, fumei e não bateu nada. Depois fumei uma segunda vez e não bateu nada. O pessoal dizia que era porque eu não sabia tragar. Mas, também tem a questão de não saber perceber os efeitos que estão rolando”, narra o jovem.


Ele continua com o relato da sua experiência: “Na primeira vez que o negócio bateu, velho, eu me senti como se tivesse transpassado uma parede de bolha de sabão, repare que viagem. Daqui a pouco, comecei a rir do que o pessoal falava, e ria, e ria, e ria. Senti uma dificuldade em levantar, estiquei os braços e quase não conseguia. E o pior, tinha que pular um muro ainda. Demorei quase cinco minutos para pular esse muro. Veio a segunda sensação, que foi uma sede terrível e virei quase 1 litro e meio de água direto. Fui para casa e ataquei a cozinha inteira, o que tinha na cozinha eu saí devorando. Depois percebi que até pizza congelada eu tinha comido. Foi pizza, iogurte com biscoito, coca com pão, o que eu vi pela frente saí comendo”.


Sobre a maconha do tipo skunk, Zohan também conta o que sentiu ao utilizá-la. “Em relação aos efeitos, a maconha skunk tem o bom dos dois mundos. Ela é natural e tem a potência de uma maconha prensada, só que melhor ainda. A maconha prensada dá um torpor diferente, já a maconha skunk não deixa o cara letárgico. Tem um gosto diferenciado tanto na queima quanto no cheiro. Por isso que é cara. Você coloca um cigarrinho fininho, coloca para duas ou três pessoas e elas ficam chapadas”, disse o usuário.
Ele também tem as suas críticas quanto à proibição do uso. Segundo ele, a liberdade de escolha deve estar acima de qualquer coisa e que, ainda assim, comprar a droga é mais fácil do que se imagina.

“Acho que a maconha nunca deveria ter sido criminalizada. Existem contextos políticos, sociais, que não vêm ao caso, e que fizeram com que ela fosse criminalizada. Eu, enquanto libertário, acho que nenhuma droga deve ser criminalizada. O Estado não tem direito nenhum sobre o meu corpo, sobre a minha vida. Ele não tem direito de dizer o que eu devo usar. Como diria a música do Gabriel o Pensador, para você comprar é mais fácil que pão, todo mundo sabe onde compra, na internet, com os amigos, com os amigos dos amigos. Acredito que é o proibicionismo que alimenta o tráfico, o crime organizado e que vai acabar lá em cima, em Brasília. É político envolvido, é delegado, é filho de juiz, uma rede de crime e que têm um ponto em comum, se alimentam da proibição”, finaliza Zohan.


Nossa equipe também buscou a opinião de uma profissional médica para falar sobre os efeitos nocivos da droga – tendo em vista que a “skunk” tende a ser muito mais forte que a comum. Segundo a psiquiatra, Ana Salmeron, a maconha tem o efeito depressivo que, a princípio, deixa a pessoa mais tranquila, alegre. Mas esse efeito, de acordo com ela, atua aparentemente.


Ela alerta sobre as consequências do uso, sobretudo na rotina diária da pessoa. “Quando a pessoa deprime, normalmente, ela fica mais lenta, diminui a atenção e acaba sendo prejudicada em seus rendimentos. Com o passar do tempo, isso pode piorar, pois a pessoa terá dificuldades de acordar, cumprir horários e acaba adotando um comportamento mais isolado e menos integração social. Têm pessoas que usam como experimentação, numa fase que gira até os 25 anos, outras apenas de forma recreativa, sem ser dependente. Quando se trata de uma pessoa que tem vício, que utiliza da droga para preencher um vazio, acaba tendo consequências que a sua rotina de vida, e em sua saúde física e emocional. Podendo, também, em alguns casos, predispor o surgimento de surtos psicóticos, o que é muito grave”, alerta.


Vale ressaltar que o trabalho da Polícia em Sergipe tem sido constante e eficaz no sentido de coibir o tráfico de entorpecentes. Nos últimos tempos, o Departamento de Narcóticos da Polícia Civil (Denarc) conseguiu detectar pequenas plantações de maconha e coibir a ação de grandes grupos do tráfico. Como resultado, quase duas toneladas de maconha foram apreendidas em dois anos, grande parte dela oriunda de outros estados do país. A pena para quem for pego praticando o tráfico de drogas varia de 5 a 15 anos de reclusão.

|Da Redação do JC

|Fotos: André Moreira