20/11/2020 as 12:09

DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA

Este ano, DAGV já contabilizou 137 casos de injúria racial

Além disso, 24 casos de racismo foram apurados pelo Departamento

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Este ano, DAGV já contabilizou 137 casos de injúria racialDivulgação

“Houve uma confusão na família e durante essa confusão eu sofri injúria racial, fui chamada de negrinha, fui chamada de urubu e aí eu fiquei calada e procurei outras formas. Essa história de estar sentada e ouvindo ou então de deixar pra lá e fazer da mesma forma, agredir a pessoa também, isso não existe mais. Hoje a gente tem delegacia apropriada para isso e foi o que eu fiz. Essa agressão eu sofri num sábado, eu engoli e na segunda-feira procurei a delegacia”.

O depoimento acima é da técnica em Radiologia, Sheila Regina, de 43 anos. Ela foi vítima de preconceito no próprio âmbito familiar, mas decidiu não se calar e buscar Justiça para o seu caso.

“Às vezes dá vontade de a gente desistir. Você pensa na vergonha, vem muita coisa na sua cabeça. Mas, o que eu tenho a dizer é que não desista, siga em frente e com fé na Lei. Não vamos aceitar isso mais de maneira alguma. Estamos em pleno século XXI e não existe mais isso. Hoje, essa historinha não cola mais”, acrescenta a vítima.

Assim como ela, este ano, até o momento, 137 pessoas procuraram o Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV) para denunciarem ter sofrido Injúria Racial, enquanto 24 foram vítimas de racismo.

Durante todo o ano de 2019, o DAGV registrou números bem parecidos com os computados este ano para essa modalidade de crime. Foram 139 casos de Injúria Racial e, coincidentemente, 24 casos de racismo.

O crime de injúria racial é previsto no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal. A injúria racial acontece quando o agressor ofende a dignidade de uma pessoa, e não da coletividade.

Já o crime de racismo acontece quando há uma discriminação generalizada contra um coletivo de pessoas: quando um determinado grupo é impedido de acessar certos lugares por conta de sua raça, etnia ou religião; ou quando alguém xinga um grupo de pessoas com base nestas características.

No dia em que se comemora o Dia da Consciência Negra, o 20 de novembro, além do depoimento fornecido por Sheila, relembrar um dos episódios que mais chocaram a sociedade sergipana no que diz respeito ao racismo, se faz bastante necessário.

Quem não se recorda do caso da médica Ana Flávia Pinto Silva que, movida por um sentimento de ódio, proferiu palavras ofensivas e de cunho racista contra um funcionário da empresa Gol, no Aeroporto de Aracaju?

A médica embarcaria em lua-de-mel para Buenos Aires no dia 26 de outubro de 2009, mas chegou atrasada ao aeroporto e foi impedida de viajar. Enfurecida, ela sentou na esteira que transporta as malas no check in na tentativa de impedir que outros passageiros também embarcassem.

A ação foi filmada e não deixou dúvidas quanto ao ataque discriminatório. No vídeo, Ana Flávia diz: “cachorro, nêgo e morto de fome. Quem vai pagar a minha passagem? Esse morto de fome, que não tem nem onde cair morto? É um povo, bando de analfabeto, morto de fome, que não tem dinheiro nem para comprar feijão para comer”, atacou a médica.

Devido a isso, dois anos depois, Ana Flávia foi condenada pelo Tribunal de Justiça de Sergipe (TJ/SE) a pagar a quantia indenizatória de R$ 20 mil ao atendente.

Apesar do lapso temporal, o caso poderia ser facilmente confundido com os dias atuais. Hoje, a situação ainda é corriqueira e terminam em registros de boletins de ocorrência que, em alguns casos, vão parar nas barras da Justiça.

Para a delegada Meire Mansuet, responsável por investigações desta natureza, o dia é de reflexão, mas também de mostrar que esse tipo de crime não tem mais espaço para impunidade em Sergipe.

“Dia 20 de novembro é uma data que nos traz a reflexão devido à morte do grande líder negro, Zumbi dos Palmares. Essa reflexão serve para que nós possamos compreender toda a violência que sofre o povo negro, tanto a violência da discriminação, do preconceito, como a violência da desigualdade social e econômica. Nós do Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis, especialmente da Delegacia de Combate ao Racismo, estamos aqui para acolher todas as vítimas, que foram discriminadas, que foram aviltadas, que foram diminuídas na sua honra devido à sua cor de pele, e nós não compactuamos com nenhum tipo de violência e discriminação racial”, explica a delegada.

E continua: “Fazemos o procedimento policial, apuramos todos os crimes de racismo, todos os crimes de intolerância e injúria racial, encaminhamos ao Judiciário para punição exemplar, porque racismo é inadmissível. É imprescindível a parceria com a sociedade, com os movimentos sociais, com as instituições civis, que também combatem o racismo, e a Polícia Civil anda pari passu com todas as instituições da sociedade civil organizada. Temos recebido ainda, infelizmente, muita denúncia referente a discriminação racial, principalmente no serviço. Ainda se verifica esse tipo de prática de discriminar a pessoa pela cor da pele, achando que gera uma incapacidade intelectual. Em dois anos, temos mais de 280 casos entre racismo e injúria racial”, lamenta Meire Mansuet.

A pena para quem comete injúria racial é de um a três anos de prisão, além de multa. Já para o crime de racismo, a pena é de prisão e pode ser de um a cinco anos, dependendo da gravidade do caso. O crime é inafiançável e imprescritível: no caso de quem é condenado, não é possível pagar fiança; para a vítima, não há prazo para denunciar o crime.

|Da equipe JC

||Foto: Divulgação