25/01/2021 as 14:18

SAÚDE

Covid-19: pandemia modifica olhar profissional dos que atuam na linha de frente

Em Aracaju, além as ações estratégicas desenvolvidas pela Prefeitura, a atuação dos profissionais de saúde foi fundamental

COMPARTILHE ESTA NOTÍCIA

Covid-19: pandemia modifica olhar profissional dos que atuam na linha de frente
O primeiro caso de coronavírus, em Aracaju, foi confirmado no dia 14 de março de 2020. Assim como em outros lugares, a chegada do vírus na capital sergipana acendeu em muitos o medo de perder a vida ou de ver aqueles a quem amam partindo em decorrência da doença causada pelo vírus, a covid-19. Num cenário em que o inimigo é invisível, quem está na linha de frente para controle da pandemia, mais do que o temor pela própria vida e pelos seus, carrega ainda a responsabilidade de salvar outras tantas, uma missão que envolve, além de capacidade profissional, outro fator essencial: humanidade. 
 
Nesse período histórico, a principal recomendação é manter o distanciamento social, mas, para quem não tem essa opção, frente ao papel que executa, a escolha pela área da saúde poderia ser tornar um fardo ou uma oportunidade de transformação, tanto profissional quanto pessoal.
 
Em Aracaju, além as ações estratégicas desenvolvidas pela Prefeitura, a atuação dos profissionais de saúde foi fundamental. Atualmente, com 62.692 casos de covid-19 e 933 óbitos pela doença na capital, foram esses trabalhadores e trabalhadores que se colocaram à disposição para doar não só seu tempo, mas suas vidas em prol de outras. 
 
Gestão da crise
 
Formada em Medicina, em 2001, a secretária municipal da Saúde, Waneska Barboza, está na linha de frente no combate ao coronavírus, sobretudo porque ela compõe a administração da cidade, ou seja, cuida direta e indiretamente da tomada de decisões que estão ligadas à vida de quase 700 mil pessoas moradoras de Aracaju.
 
Com experiência na coordenação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), na Rede de Urgência de Aracaju, no Setor de Regulação e como cardiologista (sua especialidade) no Centro de Especialidades Médicas (Cemar), Waneska foi convidada, em 2017, para fazer parte do planejamento da SMS e, no mesmo ano, assumiu a gestão da Secretaria. Para ela, a experiência da pandemia revelou a necessidade de somar forças e olhar com mais empatia para o outro. 
 
“É somente com a ação coletiva que poderemos mudar esse cenário, seja com vacina ou não. Quando me formei em Medicina, minha vontade era de salvar os pacientes, dar uma melhor condição de vida, então, eu estava muito concentrada na situação individual de cada paciente. Quando eu passo a ser secretária da Saúde, o peso é muito maior. Passei a ser responsável pela saúde de quase 700 mil pessoas. O que mais me traz a responsabilidade é poder fornecer um atendimento de qualidade para a população, é as pessoas serem bem atendidas e poderem retornar a seu seio familiar melhor do que elas chegaram nas unidades”, pontua Waneska. 
 
Ao falar sobre o trabalho desenvolvido ao longo do período de pandemia, a secretária ressalta a integração e o envolvimento das equipes. Para ela, passar pela pandemia lhe proporcionou crescimento humano.
 
“A gente aprende a ouvir mais e falar menos, compreende que, muitas vezes, por ocupar o cargo que ocupo, é preciso abrir mão dos meus interesses particulares, sendo mais ausente em casa, nas reuniões de família, por exemplo. Apesar disto, vale a pena quando penso que tudo também está sendo feito pela minha família e, lá na frente, saber que o que fizemos teve impacto positivo na vida de tantas e tantas pessoas, mesmo com tanta dor envolvida na pandemia”, revela a secretária. 
 
Coletividade
 
Parte integrante do planejamento em torno da pandemia, a diretora de Vigilância e Atenção à Saúde da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), Taíse Cavalcante, é enfermeira epidemiologista desde 1996 e há mais de 20 anos atua na saúde pública. Em sua experiência profissional, enxerga a necessidade do pensamento coletivo. Para ela, a experiência vivida no Hospital de Campanha foi o ponto alto desse fazer conjunto.
 

“Não falo pela montagem em si, mas pelo que ele veio representar para a sociedade, naquele momento. Sabíamos que tínhamos aquele suporte e, quando a situação apertava, podíamos levar para essa unidade. O dia da desmontagem do hospital me trouxe uma sensação muito importante. Vimos a emoção de todos os profissionais, do porteiro ao médico de ponta, por ter trabalhado, por ter ajudado porque, de alguma forma, demos um suporte de qualidade à população. Houve medo por lidar com o desconhecido, mas também houve a certeza que não teve um dia em que não estive presente em todo esse processo. Hoje, me vejo uma mulher com muito mais coragem e, ao mesmo tempo, com mais serenidade para enfrentar qualquer situação em relação ao coletivo”, considera. 

 
Defesa do SUS
 
Em meio à pandemia, um dos temas mais recorrentes e destacados tem sido o Sistema Único de Saúde (SUS) e o que ele representa para uma população como a do Brasil. Defensor incansável desse sistema, o médico de Família e Comunidade, Flávio Arcângelis, assumiu a coordenação de equipe do Hospital de Campanha (HCamp) Cleovansóstenes Pereira Aguiar, enquanto estava montado e este foi um divisor de águas. 
 
Nascido no Estado de São Paulo, formado em Medicina pela Universidade Federal do Vale do São Francisco, Flávio chegou a Aracaju em 2018. Aprovado em concurso para professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS), ele trocou a iniciativa privada, onde atuava, pelo setor público.
 
“Depois que eu já estava cursando, entendi para onde eu deveria caminhar a minha formação, eu tinha que caminhar para o SUS, e essa foi um decisão de vida, cuidar dos que mais precisam. Temos uma desvalorização das instituições públicas, de maneira geral. Enquanto temos ataques aos funcionários públicos, são os funcionários públicos do Butantan, da Fiocruz que desenvolvem a vacina que vamos usar. O SUS, por exemplo, é responsável por uma série de serviços que são fundamentais para nós, desde controle de água e de alimento, passando pelo nosso programa de vacinação, que é um dos melhores do mundo. Somos o único país com mais de 100 milhões de habitantes que tem um sistema único de saúde gratuito. Existem sistemas com desempenho melhor do que o nosso, como da Inglaterra, da França, mas não na dimensão do Brasil. Portanto, isso precisa ser valorizado”, defende Flávio.
 
Por defender o SUS, o médico reconhece de onde veio e o que significou a experiência de atuar no HCamp. “Quando vim para Aracaju, estava trabalhando no setor privado e com a necessidade de voltar para o setor público. Quando o Hospital de Campanha abriu, ele conseguiu me absorver. Foi o momento mais importante para a minha carreira, na medida em que foi a situação em que mais pude contribuir, enquanto médico, para a sociedade, e foi a sociedade quem me formou, afinal, eu vim de uma instituição federal, paga pelos impostos do povo. Para mim, atuar nesse local foi uma forma de retribuir aquilo que a sociedade fez por mim. É claro que tem meu mérito pessoal nisso, mas, se não fosse eu, seria outra pessoa que o povo brasileiro estaria financiando para estar naquele lugar para cuidar das pessoas”, acrescenta.
 
Sobre o processo vivido pela coletividade, Flávio é esperançoso. “Relembrar a pandemia é sempre uma oportunidade de relembrar o papel e a importância do SUS e das instituições públicas. Nada disso foi feito dentro do setor privado, sempre foi o SUS. Precisamos sair dessa pandemia com o nosso povo entendendo o quão isso é importante. Acredito que, ter passado pela experiência da pandemia, vai fazer dos profissionais da saúde, sobretudo os mais novos, mais sensíveis, e espero o mesmo da sociedade”, conclui. 

|Foto: André Moreira