02/09/2019 as 17:45

CORAÇÃO BOBO

Alceu Valença explica letra feita para Jackson do Pandeiro

‘Ao Vivo no Soma’ estreia amanhã, 3, às 21h, no canal por assinatura Music Box Brazil

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A saudade do parceiro musical Jackson do Pandeiro, durante residência artística em Paris no ano de 1979, motivou Alceu Valença a compor o clássico da canção popular ‘Coração Bobo’. A faixa, que derivou o lançamento de disco homônimo, fazendo com que o cantor e compositor estourasse nacionalmente, está completando 40 anos. O artista pernambucano dá detalhes sobre a origem da letra à nova série de TV ‘Ao Vivo no Soma’, sobre o ambiente inusitado da criação de obras musicais. A atração estreia amanhã, 3, às 21h, no canal por assinatura Music Box Brazil.

Com curadoria artística do músico Leo Henkin, guitarrista e compositor da banda de pop rock Papas da Língua, ‘Ao Vivo no Soma’ é formatado em entrevistas feitas por convidados especiais. São pessoas ligadas de alguma forma à trajetória dos músicos participantes, podendo ser desde amizade à admiração do trabalho. O diretor do programa, Sammy Roos, explica que a linha condutora do projeto privilegiou levar ao espectador informações nunca antes faladas ou pouco conhecidas dos entrevistados. “Fatos singulares sobre a arte e o processo criativo, experiências de vida, projetos futuros, opiniões sobre atualidades e a produção musical atual são alguns dos temas pautados”, detalha.

As entrevistas são intercaladas com seis apresentações musicais ao vivo por episódio, gravadas em estúdio. “Todo esse processo acontece propositalmente no habitat das pessoas que vivem da música sob um clima descontraído de ensaio, de modo que elas possam se sentir confortáveis e dispostas a se abrirem”, esclarece Henkin, ao mesmo tempo em que se refere ao Estúdio Soma, de Porto Alegre. O espaço é referência da criação musical do sul do país. Seu proprietário, Tiago Becker, é quem assina a produção musical do programa.

Em atividade desde 1972, Alceu foi sabatinado pelo amigo há 40 anos, Claudino Pereira. O entrevistador atuou na divulgação de alguns dos álbuns do artista, que já somam mais 30 ao longo da carreira, e foi grande agitador cultural em Pernambuco. Cantor, compositor, poeta, cineasta e, finalmente, advogado. Alceu brinca com o fato de ter recebido da OAB Rio de Janeiro o registro obrigatório da profissão somente após 40 anos da graduação em direito. O cidadão ilustre de São Bento do Una, interior de daquele Estado, explica que sua formação musical tem raízes na família materna. É fruto da afinidade da avó por clássicos e o gosto do avô pelo popular. O pai Décio Valença, por sua vez, não queria que o filho seguisse carreira com ressentimento de que acabasse caindo no vício da bebida, assim como os tios músicos.

Evoluindo para detalhes de sua carreira, Alceu reflete sobre a importante referência de Jackson do Pandeiro em sua vida e obra musical. Foi numa noite de solidão e abandono na capital francesa que a letra da canção que funde toada ao baião surgiu. “Estava de saco cheio da ditadura no Brasil. Me deparei com uma radiola e comecei a ouvir um disco do Luiz Gonzaga. Tive saudade do Jackson e fiz uma música chamada ‘Coração Bobo’ para ele”, conta. A propósito, o centenário da cantor e compositor paraibano de forró, samba e subgêneros Jackson do Pandeiro é comemorado em 2019 (31 de agosto de 1919).

Antes disso, em 1972 no Brasil, Alceu convida Jackson a defender uma outra composição de sua autoria no Festival Internacional da Canção, ainda sob a atmosfera repressiva do país. “Fiz ‘Papagaio do Futuro’ quando fazia dupla com Geraldo Azevedo e fomos encontrar com Jackson. Ele não gostava de Jovem Guarda, pois dizia que ela destruiu a música do Brasil. O irmão dele que nos atendeu, perguntando o que queríamos. Jackson mandou a gente entrar”, lembra o pernambucano.

A partir daí, sucede-se uma sequência de questionamentos. “Ele [Jackson] estava fazendo a unha e perguntou o que viemos fazer. Viemos convidar o senhor para cantar a música ‘Papagaio do Futuro’ no Festival Internacional da Canção’. Ele perguntou que tipo de música e qual gênero. Ele disse cante que eu quero ver e aí disse para o cunhado dele: vem ver aqui os dois cabeludos, que não são da Jovem Guarda e não são cabras safados, não”, afirma Alceu. Essa apresentação fez Alceu gravar o disco ‘Coração Bobo’ pela gravadora Ariola. Foi o primeiro álbum do artista a superar 100 mil cópias vendidas, considerado o primeiro grande estouro nacional da carreira de Valença.

Outra faixa, que figura entre as mais populares da música popular brasileira, correu o risco de ter sido descartada pelo próprio criador. É ‘Anunciação’, gravada em 1983 para o LP ‘Anjo Avesso’. A composição foi feita para uma namorada, conforme Alceu narra em entrevista a ‘Ao Vivo no Soma’. “Comecei a compor na frente dela com uma flauta que eu comprei em Porto Alegre de um hippie malucão. Eu aprendi tocar sozinho, era uma flauta transversa. Na minha casa em Olinda, eu começava a andar pela rua. Aí olhei o Mosteiro de São Bento perto de casa, tocando pela rua. Fui no quintal e ela disse que a música era linda. Eu perguntei qual e ela disse a que eu estava está tocando. Aí eu peguei e escrevi na hora. Se ela não tivesse me dito que era bonita, eu tinha perdido a música”, comenta.

Durante apresentação no Lyon Folk Festival, na França, em 1979, Alceu foi questionado por equipe de TV local sobre o que achava de cantar antes da esposa de Bob Dylan. Este momento também foi relembrado no programa do Music Box Brazil. “Eu disse ‘eu não acho nada’. Ela é ela e eu sou eu’”, conta o entrevistado. O início da carreira ainda não consagrada no sul do país com shows para pequenas plateias e o processo criativo diante da modernização dos aparelhos celulares são outros assuntos comentados por Alceu Valença em ‘Ao Vivo no Soma’.

Time de peso

Produzido pela SKR Films, ‘Ao Vivo no Soma’ terá um convidado exclusivo para 11 episódios da temporada de estreia mais dois programas extras com o compilado geral. O líder da banda Engenheiros do Hawaii, Humberto Gessinger, explica à escritora Martha Medeiros como temas diversos da atualidade são capazes de interferirem nas suas composições. Num papo com o jornalista Lucio Brancato, a banda paulista O Terno fala do seu método de compor e arranjar, de como se comunica com seu público, enquanto mostra o alto nível de seu indie rock psicodélico.

As demais atrações que integram ‘Ao Vivo no Soma’ são: o compositor da MPB, representante do Tropicalismo, Hermes Aquino, entrevistado pelo jornalista cultural Roger Lerina; a banda de rock instrumental Pata de Elefante em bate-papo com a produtora cultural Marília Feix; as bandas indies Dingo Bells (com a jornalista cultural Fe Cris) e Fire Department Club (ao lado do músico e compositor Carlinhos Carneiro). Segue com o cantor e compositor de rock Frank Jorge com a intervenção do cineasta Jorge Furtado; cantora e compositora folk Vaness com a participação do jornalista cultura Gustavo Brigatti; o músico da MPB sulista Nei Lisboa em dupla com o literário Flávio Azevedo; e a banda ítalo-brasileira de pop rock Selton em conversa com a jornalista Mônica Paes.