16/09/2019 as 11:25

Audevan Caiçara

‘Precisamos nos manifestar diariamente, a cada escolha’

Audevan Caiçara, integrante do Grupo Caixa Cênica desde 2015, está em mais uma temporada do espetáculo ‘Respire - Manifesta'.

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Ele é calmaria do corpo à entonação da voz fora do palco. Neste, ele é quem quiser, pois talento, compromisso e amor pela profissão é latente e transbordante. Audevan Caiçara, integrante do Grupo Caixa Cênica desde 2015, está em mais uma temporada do espetáculo ‘Respire - Manifesta’, na companhia de Diane Veloso e Jonathan Rodrigues, apresentado na Casa 10 do Inácio Barbosa, sede no grupo. Numa espécie de ‘apneia’, eles mergulham na arte e realidade cotidiana, numa proposta de suspensão da ventilação e também de retorno dele, com muito mais fôlego para ouvir, enxergar e movimentar o ambiente que os cerca e que nos cerca. ‘Há público!’, diz ele na entrevista concedida ao Jornal da Cidade, ao falar sobre o espetáculo, os espectadores, a saga de ser ator num país de ausências financeiras para a cultura. Boa leitura! 

 JORNAL DA CIDADE - Mais uma temporada do ‘Respire - Manifesta’ foi iniciada e qual o ‘ritmo’ desde a primeira temporada me janeiro deste ano?
Audevan Caiçara - De frenesi dos corpos, pois desde a primeira apresentação convocamos e somos convocados à festa e todos os seus desdobramentos. Então, há muitas ações, cômodos, textos, músicas, cheiros, sabores.

JC - De lá para cá houve acréscimos, substituições ou atualizações no percurso desse manifesta festa ou festa manifesto?
AC - Constantemente fazemos nossos ‘desensaios’, como chamamos, a fim de não mecanizar a proposta. Então, com o público, e com o que ele propõe a cada apresentação, surgem novos momentos. Além disso, há o noticiário diário que alimenta os papos e os dados que revelamos durante a festa. Hoje temos menos lugares para sentar porque queremos o público conosco, dançando, bebendo, cantando, uma perspectiva não convencional do teatro.

JC - O público chega com engajamento na proposta do espetáculo? E como tem sido a receptividade?
AC - O público varia muito. Há dias em que estão mais participativos, em outros, mais contemplativos. Quando percebem que ali há uma proposta de espectador como participante daquele momento efêmero, então se entregam à festa. Somos, em geral, pouco estimulados e oportunizados a assistir teatro, performance, instalação artística, e isso reverbera em nosso comportamento perante às experiências artísticas.

JC - O Grupo Caixa Cênica tem morada na Casa 10, do Inácio Barbosa, e se tornou um palco de diversas manifestações. Tem sido gratificante essa movimentação diversa no espaço?
AC - Há público! A gratificação maior de um artista, pra mim, é receber o público. Seja para uma feirinha de brechós ou para a apresentação de uma banda franco-brasileira (Cao Laru), há sempre público presente. Ainda não ‘flopamos’ (sic! E risos). E esse público vem porque encontra na Casa 10 um espaço que abriga diversidade de linguagens, como oficina de escrita ou shows autorais. Não somos um bar. Não somos uma casa de show. Não somos um comércio. Somos uma casa cultural feita por artistas com propósito estético e social.

JC - Enquanto ator e integrante do Caixa Cênica, ‘manifestar’ tem sido um verbo conjugado nas primeiras pessoas do singular e coletivo nesse período de ausências ainda mais latentes na cultura?
AC - Entrei no Caixa Cênica em 2015, com o processo de ‘Vulcão’, espetáculo que nos rendeu o Prêmio Funarte Myriam Muniz de Teatro 2015 (categoria circulação), o último ano em que os artistas de teatro tiveram o aporte dessa importante ferramenta de política pública no país. Só esse dado já nos diz muito sobre as ausências na cultura. O artista é um agente social importante, e quem faz as leis sabe desse dado, por isso tanta tentativa de censura e silenciamento, e também, por isso, precisamos nos manifestar diariamente, a cada escolha, a cada discurso que trazemos para nossas montagens, a cada evento realizado na Casa 10.

JC - ‘Respire’, inclusive, tem sido um exemplo do resgate de fôlego e despertar de necessidades urgentes para a sobrevivência artística?
AC - Montar um espetáculo e manter temporadas, com preços populares, em uma sede inaugurada e mantida sem contribuições de entidades públicas é um misto de revolta e de orgulho. Pagamos impostos absurdos e vemos pouco retorno no âmbito da cultura, principalmente para a cultura feita para públicos menores, e não para multidões (mas é na multidão onde temos mais votantes, não é?!). Sobreviver da arte, então, é um privilégio para poucas pessoas. Seguimos firmes e fortes, buscando encontrar outras formas de sobrevivência numa construção de redes, de trocas de serviços, e de valoração do que temos a ofertar por outro viés, senão o ‘moneytário’.


JC - Há planos e novidades do grupo Caixa Cênica para o próximo trimestre?
AC - Como a pesquisa é, sobretudo, nossa alquimia artística, estamos laborando um infantil que trate a criança como ser pensante e construtivo de nossa sociedade. Oficinas de teatro ministradas por mim, Diane Veloso e Jonathan Rodrigues, separadamente, também está por vir. Teremos ainda um certo ‘Vulcão’ em erupção.

JC - Além do Caixa Cênica, você tem outros projetos paralelos? Quais?
AC - Além do Caixa Cênica (leia-se reuniões, ensaios, espetáculos, arruma sede, vende brechó, entrega cerveja, ufa) há ainda aulas de Teatro, ministradas para pacientes da Equilíbrio Clínica Dia, e com isso a participação em eventos de Psiquiatria; Teatro para adolescentes, na rede privada de ensino; estampando campanha publicitária para uma construtora local; e ensaiando para ‘Moana’, da Passo a Passo academia de Dança, que apresenta em novembro. E se alguém te falar que artista não trabalha... desconfie que essa pessoa não sabe nada de arte.