25/06/2019 as 08:55

Entrevista/Alessandro Vieira

“Violência urbana se resolve com segurança pública bem-feita, não vai ser com cidadão armado”

Com 47 votos favoráveis e 28 contrários, o Plenário do Senado Federal aprovou na terça-feira, 18, o projeto de decreto legislativo (PDL) 233/2019, sustando o decreto presidencial 9.785, de 2019 – que flexibilizava regras para a posse e o porte de armas. A matéria segue agora para votação na Câmara dos Deputados. Profissional da Segurança Pública, delegado da Polícia Civil de Sergipe há quase 20 anos, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) defendeu a flexibilização do porte e da posse de arma de fogo, mas esclareceu que o decreto das armas era inconstitucional. Confira a conversa do JC com o delegado, sobre o tema.

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“Violência urbana se resolve com segurança pública bem-feita, não vai ser com cidadão armado”Foto: Pedro França

JORNAL DA CIDADE -O senhor afirmou ser favorável à flexibilização do porte e posse de arma, mas destacou que o decreto das armas do presidente Jair Bolsonaro era inconstitucional. Por quê?
ALESSANDRO VIEIRA - Tanto a consultoria legislativa e jurídica do Senado Federal como as da Câmara dos Deputados e o próprio Ministério Público Federal afirmaram que o decreto é inconstitucional porque invade atribuição do Congresso, que é a de legislar. Mudanças tão profundas como essas deveriam ser enviadas pelo Executivo ao Congresso por meio de projeto de lei, para que as alterações sejam debatidas democraticamente. Nós estamos aqui preservando o espaço de diálogo. O caminho para aprovar projetos se faz dialogando e negociando, com tranquilidade e transparência. E assim vamos fazer, eu tenho certeza.

JC - Parte da população defende o direito do cidadão de ter uma arma para defesa pessoal e da sua família. Armar a população resolve o problema da segurança pública no país?
AV - Eu acho que o cidadão brasileiro deve ter, sim, o direito a portar uma arma, se ele quer e tem capacidade para tanto, mas não da forma como o presidente quer, e não para municiar milícias. É preciso ter clareza. Respeitar as pessoas é indispensável! Nós estamos do mesmo lado da trincheira. As armas ilegais sabemos muito bem que quem tem que controlar é polícia na rua, fazendo o enfrentamento. Não vai ser armando o cidadão, não vai ser armando as vítimas. Por ano, mais de 60 mil famílias perdem entes queridos para a violência urbana no Brasil. Não vamos resolver isso com cidadão armado na rua; a solução é segurança pública bem feita, com a União assumindo a sua responsabilidade, organizando as polícias, garantindo o financiamento, fazendo o trabalho que deve ser feito.

JC - O que já é permitido pelo Estatuto do Desarmamento e o que o decreto mudava?
AV - O Estatuto do Desarmamento, de 2003, veta, como regra geral, o porte de armas de fogo em todo o território nacional. Ele afirma que quem quer ter porte e posse de arma precisa demonstrar a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física, além de atender às exigências e apresentar a documentação de propriedade de arma, bem como o seu devido registro no órgão competente. Nesse ponto o decreto aumentou as categorias profissionais que passam a ter acesso a arma de fogo e retirou a exigência de exame individualizado pela Polícia Federal. O decreto do presidente cria uma nova lei ao invés de regulamentar a lei existente. O decreto, ao presumir de forma absoluta a “efetiva necessidade” de uma diversidade de categorias, extrapolou o exercício do poder regulamentar. As mudanças das categorias são de um volume exorbitante. Além disso, alterou sensivelmente as medidas de energia que caracterizavam as armas de fogo como uso permitido ou de uso restrito.

JC - Qual o caminho para atender esse clamor de parte da sociedade que quer ter acesso às armas?
AV - Na próxima semana já vamos apresentar um projeto de lei regulando todo o assunto. Aprovamos na terça-feira, 18, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), uma solicitação de audiência pública que vai ouvir os principais representantes da área de segurança e interessados no tema, dentre eles caçadores, atiradores esportivos, colecionadores, as polícias, as Forças Armadas, as ONGs que defendem o armamento e aquelas que são contrárias. Vamos ouvir todos para que possamos, muito brevemente, ajustar este projeto de lei que revogue e reconfigure o Estatuto do Desarmamento. Porque é verdade: o brasileiro não aguenta mais tanta violência, o brasileiro quer uma resposta, mas a resposta tem que vir do poder público. Isso é indiscutível.

JC - Que outras medidas o senhor pretende defender para melhorar a segurança pública do país?
AV - É preciso fazer uma reestruturação efetiva de segurança pública na legislação, inclusive na Constituição Federal, definindo os papeis de cada órgão e ente federativo, fortalecendo as polícias, garantindo investimento em inteligência e ampliando o emprego das Forças Armadas na defesa das fronteiras e patrulhamento das rotas utilizadas pelos criminosos, além da implantação de políticas públicas efetivas nas áreas de educação, emprego e renda. São diversas ações coordenadas e conjuntas.