08/02/2020 as 09:24

ENTREVISTA

Clóvis Barbosa : “Vai caber ao TCE decidir se fica com oito conselheiros”

Em entrevista ao JORNAL DA CIDADE, Clóvis garante que a decisão do Ministro Gilmar Mendes (STF) suspendeu a sua colocação em disponibilidade

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Clóvis Barbosa : “Vai caber ao TCE decidir se fica com oito conselheiros”André Moreira

Mais de dez anos após chegar ao posto de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, Clóvis Barbosa se vê novamente em meio a uma polêmica, com o retorno do conselheiro Flávio Conceição à ativa. Além de fazer várias ressalvas ao nome de Flávio, Clóvis garante que a decisão do Ministro Gilmar Mendes (STF) suspendeu a sua colocação em disponibilidade (decidida pelo plenário do TCE). Ele ainda alertou que esta alternância na corte pode criar certa instabilidade jurídica, e questionado sobre os seus pares na Corte de Contas, ele julgou: “Prefiro acreditar que a instituição que defendo é formada por cidadãos éticos, compromissados com a coisa pública e que não fazem do cargo moeda de troca no jogo político, para beneficiar campanhas ou parentes de quem quer que seja”. Pareceu um recado? Leia a entrevista e confira a fala completa de Barbosa.

JORNAL DA CIDADE – Qual é hoje a sua situação no TCE/SE hoje?

Clóvis Barbosa - Sou conselheiro ativo do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, com muito orgulho, desde o ano de 2009. Com a decisão do Ministro Gilmar Mendes de dezembro, suspendendo a minha colocação em disponibilidade, eu permaneço com a atribuição de servir ao povo de Sergipe como fiscal da coisa pública.

JC - Quantos conselheiros o TCE/SE possui hoje? Mais uma vez o TCE/SE está com mais conselheiros do que prevê a legislação?

CB - A Constituição Federal é clara em determinar que os tribunais de contas estaduais “serão integrados por sete Conselheiros”. Ela não fala 07 conselheiros “em exercício”, abrindo a possibilidade de um oitavo sem as funções do cargo. E o fato é que o Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a ilegalidade do procedimento e suspender a decisão do TCE/SE, me manteve entre os sete conselheiros ativos. Diferentemente de agora, no passado o TCE teve sim um período com oito conselheiros. Mas um deles (Flávio Conceição) foi mantido afastado do cargo e por determinação judicial, não foi por uma decisão do Tribunal. Agora, vai caber ao TCE decidir se fica com oito conselheiros e desrespeita a Constituição Federal.

JC – Então você entende que o TCE/SE está desobedecendo a decisão do STF? E como vê essa decisão do TCE/SE de reabrir o processo de revisão da aposentadoria de Flávio?

CB – Quanto à primeira pergunta, para mim é bastante evidente que sim. Inclusive esta semana o Ministro Gilmar Mendes deu dez dias para o Tribunal se explicar, então imagino que essa vá ser também a posição do Supremo. Além disso, o Ministério Público do Estado abriu um procedimento para analisar esse processo; parece-me que o Ministério Público Federal também está apurando. Enfim, para mim é bem claro que está havendo desobediência. Em relação ao segundo questionamento, eu apenas ouvi a notícia pela imprensa, não fui intimado oficialmente, de maneira que vamos aguardar em que termos se dará. E digo isso porque a decisão administrativa ainda está em fase de recurso, com efeito suspensivo inclusive (segundo o regimento do TCE). Então não sei se seria “reabertura do processo”, o que deve haver é o cumprimento da decisão do STF... se a liminar do STF suspendeu minha colocação em disponibilidade, é lógico que houve o retorno à condição anterior.

JC - O senhor solicitou a montagem de um gabinete para voltar a atuar?

CB - Na verdade, o que nós pedimos ao TCE foi que cumprisse integralmente a decisão do Supremo Tribunal Federal, que determinou a suspensão da minha colocação em disponibilidade e de todos os efeitos dela decorrentes. Ou seja, o Ministro Gilmar Mendes decidiu que tudo deveria voltar a ser como antes no TCE de Sergipe, como se nada tivesse acontecido contra mim. Ora, a montagem do gabinete e de minha equipe é somente um desses aspectos.

JC - O que achou da negação disso?

CB - Lógico que eu respeito a decisão do TCE, mas, particularmente, entendo que a negativa é a prova concreta da desobediência à decisão do Supremo Tribunal Federal, e desobedecer uma determinação Judicial é crime. Por isso, quero crer e tenho fé que a Presidência da Casa em breve irá regularizar toda essa situação.

JC - Essa indefinição pode gerar alguma instabilidade jurídica, no sentido de que alguns gestores condenados poderiam pedir a anulação de julgamentos?

CB - Certamente, por isso é muito importante tomar bastante cautela com todo esse processo, justamente para evitar que se inaugure um período de instabilidade jurídica, sobretudo naqueles processos que tiveram julgamento com a participação do Sr. Flávio Conceição. O TCE tem papel fundamental na atividade de controle externo e, por isso, deve se comportar à altura, garantindo a todos os seus jurisdicionados o efetivo cumprimento das normas e estabilidade jurídica.

JC - O senhor acredita que a definição pelo retorno de Flávio Conceição se deu por motivos que não foram de ordem jurídica?

CB - Ao longo de todo esse processo, nós vimos e ouvimos de várias pessoas diversas teorias convergentes sobre os motivos para que eu saísse do TCE. Posso garantir que nenhuma delas tem fundamento jurídico. Sinceramente, prefiro acreditar que a instituição que defendo é formada por cidadãos éticos, compromissados com a coisa pública e que não fazem do cargo moeda de troca no jogo político, para beneficiar campanhas ou parentes de quem quer que seja. Todos nós que integramos o TCE de Sergipe, seja por determinação da Lei Orgânica da Magistratura ou por nosso Código de Ética, devemos agir com decoro. Por isso, acredito que a decisão de me colocar em disponibilidade foi apenas fruto de uma construção jurídica equivocada, tese que, inclusive, foi combatida pelo Ministério Público de Contas enquanto fiscal da lei.

JC - Ouve-se que o senhor não contaria com a simpatia de alguns conselheiros. A que o senhor credita isso?

CB - Eu sou um homem de princípios, os quais carrego desde os bancos da Faculdade de Direito da UFS. Isso, muitas vezes, pode ser confundido com ser “linha dura”, intransigente, perseguidor, e não é isso que faço. Todos os gestores que nos visitaram lá no TCE ao longo desses dez anos sabem que estamos lá para tirar dúvidas e tentar resolver o problema do município. Não adianta de nada o Tribunal punir o Prefeito, aplicar uma multa e a população ficar sem assistência, com posto de saúde que não tem médico, com as crianças sem irem à escola por falta de transporte. Mas, principalmente durante a nossa Presidência, tivemos sim algumas divergências sobre a forma de como o Tribunal de Contas deveria atuar em algumas ações que implementamos, a exemplo da Operação Antidesmonte, feita em conjunto com o Ministério Público do Estado. Só que assim eu prefiro classificar, divergências em função da nossa atuação. Houve situações - já disse isso em outras entrevistas – em que, de fato, eu me excedi. Então reconheci o erro e pedi desculpas. Mágoa e rancor só fazem mal a quem os guarda.

JC - Ao topar assumir o cargo, quando foi indicado pelo governador Marcelo Déda, o senhor avaliava que essa querela iria se prolongar tanto?

CB - Quando você assume uma missão tão relevante, como é o caso do cargo de Conselheiro de Tribunal de Contas, também se imagina que os desafios serão grandiosos. Eu quero crer que essa querela terá uma solução rápida, para o bem da imagem do Tribunal de Contas de Sergipe. E aqui faço um registro: toda essa minha luta, seja no Judiciário ou administrativamente junto ao TCE, não se dá por ego, por apego ao poder ou apego ao cargo, nada disso. Eu sou conselheiro porque acredito que o Tribunal de Contas de Sergipe pode ser, se desejar, a instituição mais importante do Estado. É do TCE o dever de fiscalizar se o asfalto utilizado é de boa qualidade (nós temos aparelhagem e treinamento para isso); se determinada Prefeitura está cobrando devidamente seus impostos, sem desvios; se determinado servidor está recebendo ilegalmente por dois, três, quatro ou mais vínculos. Enfim, meu desejo é continuar servindo da melhor forma ao povo do meu Estado e preservar o Tribunal de Contas do Estado de Sergipe.

JC - Em quanto tempo essa questão pode ser resolvida em definitivo?

CB - Já era para estar resolvida, mas acredito que a solução será dada rapidamente. O cidadão sergipano merece um TCE altivo, bem gerenciado, que atue com efetividade na fiscalização das condutas dos gestores, e por isso é preciso arrumar a Casa o quanto antes.

JC - O senhor avalia que Flávio Conceição deveria retornar à corte? Por que?

CB - Particularmente, eu entendo que o Sr. Flávio Conceição não reúne as condições que a Constituição e a lei exigem para exercer o cargo de conselheiro do TCE/SE. E assim penso por motivos muito semelhantes àqueles expostos pelo representante do Ministério Público junto ao TCE durante o julgamento. Todos se recordam do escândalo que foi a “Operação Navalha” para o Tribunal de Contas do Estado de Sergipe. Até os dias de hoje alguns servidores lembram da Polícia Federal entrando no TC para apreender computadores, telefones, documentos, com a televisão cobrindo toda a operação. É esse o tempo que o TCE de Sergipe quer reviver? O Sr. Flávio Conceição já foi condenado em primeira ou segunda instância a devolver mais de R$ 8 milhões aos cofres públicos por atos de improbidade. É minimamente possível dizer que alguém com esse histórico possui “reputação ilibada”? Mais ainda... um cidadão que já tem condenações por improbidade administrativa e desvio de verbas tem alguma legitimidade para fiscalizar, exatamente, os gestores e o dinheiro público? Como já disse, eu acredito que o TCE vai tomar a decisão mais acertada e não dará brecha para que, novamente, nossa Casa vá parar nas páginas policiais.

JC - Qual a solução jurídica que o senhor defendeu no TCE caso a Corte revisse a aposentadoria de Flávio Conceição?

CB - Como disse acima, a reputação do Sr. Flávio Conceição não cabe dentro do que se deseja para o Tribunal de Contas de Sergipe. Mas sempre defendi que, caso a Corte revisse a decisão de aposentá-lo, ele não poderia retornar ao exercício do cargo de forma imediata, pois todos nós que hoje ocupamos as sete vagas somos vitalícios e inamovíveis. Ele, sim, deveria ficar em disponibilidade e aguardar a primeira vaga aberta de indicação da Assembleia. Essa a solução jurídica que entendo mais adequada, repito, se o Tribunal entender que deve mesmo rever a aposentadoria do Sr. Flávio.

JC - Mas e se o TCE decidir manter Flávio Conceição na ativa, isso afetaria o senhor ou a Conselheira Angélica Guimarães? Por que?

CB - A mim certamente não pode afetar. Primeiro, porque eu sou o conselheiro mais antigo a ocupar uma vaga da Assembleia e essa escolha se deu por meio de ato complexo – que envolveu ALESE, governo do Estado e TCE – que não poderia ser desfeito por decisão administrativa, como o foi. Segundo, e talvez principal, em razão de a decisão do Supremo Tribunal Federal ter sido muito clara ao determinar a suspensão de todos os efeitos da decisão em relação a mim. Para que o leitor entenda mais facilmente, o Ministro Gilmar Mendes disse, basicamente, o seguinte: “Tribunal de Contas de Sergipe, eu não vou dizer o que vocês devem fazer para resolver suas questões internas, mas esse processo de Flávio Conceição só não pode atingir Clóvis Barbosa”. Ou seja, eu tenho uma decisão do STF que me assegura o exercício do cargo, há a limitação constitucional de sete conselheiros (dentre os quais eu estou inserido) e vai caber ao TCE decidir. A Conselheira Angélica Guimarães Marinho vem realizando um trabalho exitoso junto com sua equipe, então seria muito ruim para nossa Corte se a decisão administrativa do TCE fosse no sentido de manter o Sr. Flávio e afastar a conselheira. 

JC - Durante todo esse processo, ficou algo de bom?

CB - Sem dúvida, a vida é sensacional. Já se passaram mais de oito meses desde que tudo isso começou e hoje, olhando para trás, vejo o quanto este processo me fortaleceu e renovou minhas energias. É muito bom ouvir alguém preocupado com o TCE/SE, indignado com situação, dizendo “Mas como?! Isso é um absurdo!” ou fazendo comparações impublicáveis. É reconfortante receber ligações de carinho, tomar um vinho ou discutir o caso com amigos advogados e juristas daqui e de Brasília, que há muito tempo não via; contar com o apoio massivo dos colegas Conselheiros, que mesmo diante do impasse insistiram na minha eleição para Diretor de Relações Jurídico-Institucionais da nossa entidade (Atricon); ou mesmo receber mensagens de colegas servidores tristes com minhas derrotas e felizes pelas vitórias. A verdade é que agora em 2020 o TCE de Sergipe estará completando 50 anos, é um novo ciclo que se renova. Vejo-me da mesma forma. Quero retornar às atividades com tranquilidade, sem mágoa, prestando minha contribuição aos pares e à Presidência. Vou continuar trabalhando e lutando para que o controle externo em Sergipe evolua e seja cada vez mais respeitado pelos cidadãos, com um Tribunal de Contas que reflita aquilo que a sociedade espera.

 

|Por Max Augusto/Equipe JC

||Foto: André Moreira