30/06/2025 as 10:02
PRIORIDADER$ 10 milhões no forró e R$ 600 no patrimônio: remanejamento escancara prioridades da gestão
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Um remanejamento de R$ 4 milhões em recursos públicos sem a devida autorização da Câmara de Vereadores de Estância colocou o município no centro de uma disputa judicial e reacendeu o debate sobre prioridades na gestão pública. A verba, inicialmente alocada para áreas como infraestrutura e habitação, foi redirecionada para cobrir despesas dos festejos juninos de 2025 por meio de decreto assinado pelo prefeito André Graça (Decreto Municipal nº 9.092, de 24 de abril de 2025).
A manobra foi denunciada pelo Ministério Público de Sergipe (MPSE), que identificou irregularidades na abertura do crédito suplementar, sobretudo no uso de R$ 1,55 milhão originalmente destinado à Secretaria de Infraestrutura e Habitação. A 1ª Promotoria de Justiça Cível de Estância ajuizou uma Ação Civil Pública com pedido de liminar urgente no dia 11 de junho. Cinco dias depois, o juiz José Marcelo Barreto Pimenta, da 1ª Vara Cível de Estância, acolheu o pedido do MP e determinou a suspensão de todos os pagamentos e contratações vinculados à realização dos festejos juninos de 2025, com exceção daqueles cujo custeio tivesse como única fonte o saldo orçamentário original da Secretaria de Cultura, estimado em R$ 4.088.630,94, anterior à suplementação.
Para o ex-vereador do município, Dominguinhos, a questão vai além da legalidade técnica. “Em Estância, nós tivemos a previsão orçamentária de 2024, que foi exatamente uma cifra fechada de R$ 300 milhões. Para 2025, esse valor aumentou cerca de 12,7% e foi para R$ 338 milhões. Ocorre que as prioridades, não me parecem que são prioridades comprometidas com a cidadania e com a inclusão social”, afirmou. O ex-parlamentar Dominguinhos criticou a desproporção entre os valores destinados à festa e os investimentos em outras áreas fundamentais. “Nada contra as festas, muito menos a de São João. Eu sou estanciano, amo São João, amo a minha cultura. Agora, você pagar shows como o de R$ 600 mil, do Natanzinho, o show de R$ 550 mil, que é o show do João Gomes...Enquanto isso você reservar R$ 600 para manutenção do patrimônio público, do patrimônio cultural da cidade, isso é um escárnio”, disse ele, ao que acrescentou: “Para cuidar de 42 escolas e das creches, o Orçamento reservou R$ 101 mil. Nós temos aqui cerca de 200 trabalhadores recebendo abaixo do salário mínimo de salário base”, completou.
Segundo o Ministério Público, os custos da festa em 2025 poderiam ultrapassar os R$ 10 milhões, considerando contratações artísticas, estrutura, fogos, apresentações locais, publicidade e logística, quase o dobro dos R$ 4,9 milhões gastos em 2024. No entanto, dois dias após a liminar, no dia 18 de junho de 2025, o presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe acolheu pedido do Município de Estância e suspendeu a execução da decisão, autorizando a continuidade dos festejos. Em sua decisão, o desembargador destacou que o pedido do MP foi ajuizado às vésperas do evento, embora as investigações sobre os gastos da festa ocorram desde 2022. Ele entendeu que cancelar a festa naquele momento causaria grave lesão à economia pública, diante dos contratos já firmados, divulgação feita, estruturas montadas e a mobilização do comércio local. “Essa decisão, que era para o prefeito cumprir, não gastar nada além dos valores originais de pouco mais de 4 milhões, ele recorreu exatamente para poder gastar a totalidade, que dá aí próximo cerca de R$ 10 milhões. Ele fez por decreto, sem passar pela Câmara, sem levar em consideração o diploma legal, que é uma lei federal extremamente importante da contabilidade pública”, lamentou Dominguinhos.
“A gente aqui em Estância tem essa preocupação, a preocupação de que o município não gaste excessivamente com os festejos juninos. Que faça uma boa festa, que mantenha a cultura, a tradição, mas que leve em consideração também outras políticas públicas para que nossa cidade não pare, para que nossa cidade possa avançar, no rumo da cidadania”, concluiu o ex-vereador. Segundo o MPSE, foi constatada, ao longo dos últimos anos, a realização “reiterada de contratações artísticas e ornamentações urbanas com valores vultosos, mediante processos administrativos precários, sem a devida instrução prévia ou observância dos princípios constitucionais da legalidade, moralidade e eficiência”. Na decisão, o TJ/SE fixou multa diária de R$ 500 mil em caso de descumprimento. A equipe de Reportagem procurou a Prefeitura Municipal de Estância para comentar a decisão, mas até o fechamento da edição não houve resposta.