02/04/2020 as 09:35

NOVO CORONAVÍRUS

Médicos não emergencistas atuarão no combate ao COVID-19

Segundo profissional, menos de 5% dos especialistas recrutados pela SMS sabem entubar um paciente

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Médicos não emergencistas atuarão no combate ao COVID-19

Um chamamento feito pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) pegou os profissionais médicos de surpresa. Pela informação repassada, os médicos especialistas que compõem o quadro dos Centros de Especialidades Médicas de Aracaju (Cemar) deixariam o atendimento especializado para atuarem na linha de frente do combate ao Covid-19.

Médicos que há mais de 20 anos atuam em uma área específica passariam a atender pacientes com síndromes respiratórias e casos suspeitos de contágio pelo coronavírus. 

“É como colocar um engenheiro civil fazendo um trabalho de engenheiro elétrico, ele não vai saber qual conduta adotar. Cada um sabe muito bem trabalhar dentro da sua especialidade. A prefeitura, sem o menor critério, chegou ontem, convocou os médicos dizendo que o Ministério Público queria a relação dos locais que eles seriam realocados para o atendimento às síndromes respiratórias. Questionamos o secretário adjunto sobre a presença do Ministério Público e ele disse “aqui eu sou o Ministério Público”. A gente só assina qualquer tipo de papel com a presença do Ministério Público”, relata um médico que prefere não ser identificado.

Ele vai mais além: “A população corre risco, porque são médicos que não têm o menor treinamento com síndrome respiratória. Essa é a tragédia que eles estão desenhando. Ninguém sabe entubar. Menos de 5% dos especialistas sabe entubar. Eles não são aptos a isso, não são treinados para este fim. O que um homeopata vai fazer para entubar? Um oftalmologista? Um endocrinologista? Imagine entubar um esôfago de um paciente, vai matar o paciente. Quando a gente faz uma residência médica, a gente é treinado para um grupo de doenças e não para atender tudo”, explica o médico.

Atualmente, fazem parte do quadro de especialistas do Cemar pouco mais de 70 médicos. Eles estão se organizando para buscar uma solução através do Ministério Público de Sergipe (MP/SE). Enquanto isso não acontece, um deles alerta para outro problema: a falta de atendimento para os portadores de doenças crônicas de todo o Estado.

“E o pior disso tudo não é o médico ser realocado, é toda a população de doentes crônicos do Estado que ficarão totalmente desassistidos. Esses pacientes têm o risco iminente de se contagiar com o Covid-19. Se um paciente desse adquirir o Covid-19 é complicação, é UTI. A Prefeitura Municipal de Aracaju está promovendo a desassistência aos pacientes de todo o Estado, pacientes crônicos, HIV positivos, pacientes com tuberculose, diabéticos, lúpus. Essas patologias já são pré-existentes. Os especialistas não atendem casos agudos, eles atendem os casos crônicos. Atualmente a cardiologia está sem atender, a infectologia, reumatologia, e são doentes que precisam de atendimento contínuo”, alerta o médico.

Por último, ele acusa a Prefeitura de Aracaju de colocar empecilhos na contratação de novos profissionais para ratificar a decisão de realocação desses especialistas para a linha de frente do coronavírus.

“Vamos ver o que acontece. Teremos que procurar alguma assistência do Ministério Público, já que a prefeitura está dizendo que o Ministério Público foi que mandou encerrar os atendimentos, o que é uma grande mentira. Eles não querem contratar médicos para atender as síndromes gripais e estão preferindo transferir os especialistas para atender, porque são mão-de-obra barata, eles ganham R$ 51 a hora trabalhada. Eles ofereceram R$ 120 a hora trabalhada, mas estão colocando diversos empecilhos para que os médicos se inscrevam”, finaliza o profissional Saúde.

Sobre o remanejamento dos profissionais que atuam rotineiramente no Centro de Especialidades Médicas de Aracaju (Cemar), a Secretaria Municipal da Saúde informa que a convocação inicial visava sensibilizar esses profissionais sobre a situação de pandemia, apresentar o cenário local com os números de casos em Aracaju, e a projeção desse cenário, ou seja, o que surgiria de demanda no atendimento médico ofertado à população de acordo com essa projeção.  

Diante dessa realidade, e fundamentada no decreto municipal sobre a convocação dos médicos do Cemar afastados temporariamente por conta da suspensão dos serviços eletivos de especialidades, a gestão fez a convocação para que sejam formadas as equipes que assumirão as frentes de trabalho no enfrentamento ao Covid-19. 

Entre essas frentes de trabalho estão nas oito UBS de referência para síndromes gripais: UBS Augusto Franco (Farolândia); UBS Dr. Onésimo Pinto (Jardim Centenário); UBS Ministro Costa Cavalcante (Inácio Barbosa); UBS Cândida Alves (Santo Antônio); UBS José Machado de Souza (Santos Dumont); UBS Eunice Barbosa (Coqueiral); UBS Fernando Sampaio (Conj. Castelo Branco); e UBS Geraldo Magela (Conj. Orlando Dantas). O atendimento de urgência que será realizado nos contêineres instalados na área externa do Hospital Fernando Franco, bem como os sete leitos de observação que estarão reservados para os casos de pacientes que apresentarem sintomas de síndromes gripais. 

Outra frente que necessitará da força de trabalho dos profissionais médicos é a estrutura montada com mais 20 leitos de observação no CAPS Jael Patrício, além da necessidade de formar equipes que atuarão no hospital de campanha que prevê uma média de 250 leitos. 

Ainda durante a reunião realizada pela gestão e os profissionais do Cemar, foram levantados questionamentos sobre o manejo dos pacientes com sintomas de síndromes gripais. Preocupada em oferecer um atendimento eficaz, e contando com o suporte técnico dos profissionais que mesmo atendendo rotineiramente casos de acordo com suas especialidades, possuem competência técnica de caráter generalista, a SMS afirmou que todos os profissionais que aderirem à convocação passarão por capacitações e treinamentos sobre o atendimento aos casos de síndromes gripais e síndromes respiratórias agudas, bem como serão orientados sobre o uso dos equipamentos de proteção individual (EPIs) que lhes serão fornecidos tão logo comecem a atuar.

Da mesma forma, a SMS também informou que todos os profissionais serão orientados quanto aos fluxos de atendimento em cada frente de trabalho, da mesma forma que terão acesso às informações sobre as referências de atendimento, a exemplo dos encaminhamentos dos pacientes com quadros clínicos graves, que deverão ser atendidos pela rede estadual de saúde. 

Vale salientar que em nenhum momento a gestão teve como prioridade a economicidade ou razões de cunho financeiro para remanejar esses profissionais. A logística de recurso humano está sendo feita para que se cumpra o que prevê o Plano de Contingência para o enfrentamento ao Covid-19, bem como as determinações previstas no decreto municipal no que compete aos servidores da Saúde de Aracaju e suas novas demandas diante do cenário de pandemia. 

É fundamental que os profissionais se somem à força de trabalho necessária para o enfrentamento dessa pandemia. A SMS reforça ainda que as contratações de pessoa jurídica e pessoa física estão dentro da carga horária já prevista dos profissionais em sua atuação de rotina, e as atribuições serão preenchidas dentro dessa carga horária de trabalho já existente. 

Além disso, vale destacar que para reforçar esse trabalho, a SMS também está em tratativas com as Universidades da capital para alinhar a possibilidade de somar voluntariamente os alunos dos cursos da área da Saúde, que estão em fase conclusiva de curso, para se juntar a essa força-tarefa de combate ao Covid-19. 

Até o momento, a adesão à convocação da gestão é baixa, frente à necessidade da força de trabalho que o momento exige.