16/06/2025 as 09:40
ENTREVISTADr. Danilo Adriano, que está no espectro autista, atua com excelência como Controller no Cândido Dortas Sociedade de Advogadas e Advogados.
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Muito se fala sobre inclusão, mas poucos escritórios de advocacia conseguem ir além do discurso. Dr. Danilo Adriano, que está no espectro autista, atua com excelência como Controller no Cândido Dortas Sociedade de Advogadas e Advogados. Em um ambiente de alta exigência e responsabilidade, ele demonstra que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) não é barreira para desempenho técnico, liderança e inovação. Sua atuação lança luz sobre o potencial das pessoas autistas no mercado jurídico e a importância de ambientes inclusivos para valorizar talentos diversos. Diagnosticado com quase 40 anos de idade, ele percebeu que a atividade que desempenha no escritório é compatível em100% com as especificidades de uma pessoa que está no espectro autista. Conheça um pouco mais da sua história.
JCSOCIAL - Como surgiu o seu interesse pela Advocacia?
DANILO ADRIANO - Certa vez, uma prima teve que tomar conta de mim. Ela fazia direito na UFS e tinha que assistir audiências trabalhistas. Ocorre que ela tinha que assistir no mesmo dia que tinha que cuidar de mim, então ela me levou junto. Fiquei maravilhado com a dinâmica, com o advogado do reclamante tentando comprovar o direito do cliente através das perguntas, tentando pegar uma confissão do reclamado.
JCSOCIAL - E o diagnóstico de Autismo, como se deu?
DANILO ADRIANO - Foi um processo demorado. Eu procurei um psiquiatra porque estava tendo crises de ansiedade. Estava sem dormir e nem unha eu tinha mais de tanto roer e marquei uma consulta telepresencial. Durante a consulta a psiquiatra percebeu que eu desviava muito o olhar e não parava de mexer nas unhas. Ela sugeriu eu marcar uma consulta presencial com um psiquiatra para avaliar um possível diagnóstico de autismo. Marquei a consulta e ele fez perguntas sobre a minha infância e muitas coisas que eu considerava normais eram sintomas do autismo: andar na ponta dos pés na infância, não gostar de comer frutas, assistir os mesmos filmes e ouvir as mesmas músicas, dificuldade em interagir com pessoas que não conheço. Ele me encaminhou para uma psicóloga para rastrear mais sintomas e no final, ela fez um relatório de tudo que percebeu. O psiquiatra, com esse relatório em mãos, verificou um forte indício de autismo. No final, ela viu sinais de altas habilidades (super dotação) , autismo nível de suporte 1 e transtorno de ansiedade generalizada.
JCSOCIAL - Quais foram as principais dificuldades enfrentadas após o diagnóstico e como foi a aceitação no trabalho?
DANILO ADRIANO - Não acredito que tive dificuldades depois do diagnóstico, porque as dificuldades sempre estiveram lá. Como ter crises quando as coisas não aconteciam como eu planejava, dificuldade para interagir com quem não conhecia, manter relacionamentos. Antes do diagnóstico, quando tinha audiência ou uma sustentação oral eu ensaiava na minha cabeça várias vezes, como se fosse uma peça de teatro (fiz teatro na escola quando criança para perder a timidez). Então imaginava tudo como uma peça e que se o roteiro não fosse seguido, teria que improvisar. Em uma audiência nunca era o Danilo ali, era um personagem que eu criava a depender do caso. Com o diagnóstico eu passei a entender o motivo disso tudo e como a minha mente funcionava.
JCSOCIAL - QUAL A SUA ROTINA DE TRABALHO?
DANILO ADRIANO - Meu trabalho é fazer todo o escritório funcional. Geralmente sou o primeiro a chegar, abro o e-mail e vejo a demanda dos advogados do escritório. Após, abro o Diário de Justiça e começo a ver os prazos de cada processo e encaminho para o respectivo advogado. Vejo a agenda de todos para evitar choque de pauta e assim transferir o compromisso de uma pessoa para a outra. Por fim, gero relatórios de produtividade. Com o tempo vejo estratégias de como melhorar e deixar o trabalho dos advogados mais fluido, vou aprimorando estratégias, vejo o que funciona e o que não funciona. Sempre com o feedback da equipe.
JCSOCIAL - Falando de família, qual a importância na vida de quem está dentro do espectro autista?
DANILO ADRIANO - Família é tudo. Na família a gente pode ser autêntico sem ser julgado. Minha família não vai me julgar quando estiver em crise. Vou ter o apoio emocional necessário. Vão me proteger de ataques. Falo de família de sangue e família profissional, porque meus colegas de trabalho passam mais tempo comigo do que a minha própria família.
JCSOCIAL - Qual o recado que você deixa para as pessoas sobre a convivência com alguém que está no espetro autista?
DANILO ADRIANO - A principal mensagem é que a convivência nem sempre é fácil, mas tente ver o mundo de uma forma diferente. Seja mais sensível, mais empático. Não tente mudar o jeito de ser do autista, porque não há nada ali para ser consertado. Respeite o espaço, o tempo dele. Perceba que a comunicação nem sempre é com palavras, mas com pequenos gestos. Muitas vezes, você pode ser o motivo da pessoa sair de casa para desbravar a sociedade preconceituosa, porque o autista saberá que terá você ali como um porto seguro.