09/01/2020 as 08:28

Segurança

Centro é dominado por táxis clandestinos

Passageiros temem pela segurança e uma mulher afirma que quase perdeu o bebê em uma viagem

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Para quem chega no ponto de ônibus localizado na Avenida Rio Branco, no Centro da capital, nas imediações dos mercados centrais, o assédio dos motoristas de transporte clandestino é grande. Aliás, eles estão cada vez mais organizados e empenhados no convencimento daqueles que aguardam o transporte coletivo para seguir aos seus destinos.


“São quantas pessoas? Meu carro só pega quatro!”; “Santa Maria, Santa Maria”; “Eu vou para a Atalaia, quem vai?”; “Vamos, entre aí que a gente se ajeita!”. Esses foram alguns flagrantes registrados pela equipe de reportagem do JC enquanto fingia realizar uma matéria sobre o trânsito intenso na localidade.


Aliás, por lá, um grupo de cerca de cinco homens, bastante incomodados com a presença do JC, encurralaram os jornalistas e iniciaram uma sabatina de questionamentos e intimidações. “Rapaz, vocês estão filmando a gente? Estão fazendo matéria de quê? Moral, cuidado aí com o que vocês irão divulgar”, disse um dos homens.


Após cerca de uns três minutos de convencimento de que não se tratava de uma matéria sobre o transporte clandestino e já com o aval do grupo para continuar a pauta sobre o “trânsito”, os indivíduos até colaboraram com o suposto assunto. Inclusive, nessa hora, um deles confirmou o motivo da presença deles por lá.


“Esse trânsito é sempre assim, um inferno. Você pode passar qualquer hora que tem engarrafamento. E de quem é a culpa? Com certeza dos ônibus. Eles fazem fila dupla e não se incomodam de atrapalhar a vida das pessoas”, disse o homem, acrescentando a confissão de que, de fato, realiza o transporte de passageiros de forma clandestina: “A gente que está todo dia aqui fazendo lotação, a gente vê muita coisa”.


Segundo informações de um comerciante, que por questão de segurança prefere se manter no anonimato, os motoristas clandestinos chegam muito cedo naquele trecho do Centro, com o intuito de estacionarem os veículos próximo à parada de ônibus, a fim de facilitar a captação dos usuários do transporte coletivo.


Apesar de muitos usuários ainda encararem o veículo clandestino como uma alternativa barata e se aventurarem pelas vias da cidade em diversos destinos, nem sempre a história termina com um final feliz, como é o caso da jovem Bruna Souza, de apenas 17 anos.
Segundo ela, numa manhã de quarta-feira, em maio do ano passado, sua vida mudaria por completo. Grávida de quase nove meses, a garota, que reside no Bairro Santa Maria, foi ao Centro para comprar algumas roupinhas para o seu bebê. Na volta para casa, por estar cansada e com algumas sacolas, ela teria optado pelo transporte clandestino e seguiu o trajeto. Mas algo inesperado aconteceu.

“Eu já tinha pego esses carros outras vezes, mas nesse dia foi diferente. Ele dirigiu o tempo todo cortando os veículos violentamente. Cheguei a comentar com outra moça que estava ao meu lado. Eu, com muito medo, ainda pedi para ele ir devagar. Ele respondeu que estava com pressa. Foi quando, chegando na entrada do conjunto, ele quase atropela um motoqueiro. O homem seguiu o carro e ele acelerando, eu estava muito nervosa, pois o motoqueiro parecia estar armado. Pedi para ele parar que eu queria descer assim que ele despistou o motoqueiro. Quando desci, já estava com um sangramento e tive que acionar o Samu e correr para a maternidade. Tive o meu filho naquela manhã mesmo. Tenho certeza de que foi devido ao susto”, revela Bruna.
Relatos como o de Bruna se tornam tão anônimos quanto parece ser o trabalho diário dos clandestinos. Aliás, anônimos para quem não passa pelo ponto de concentração desses motoristas. Por lá, sem cerimônias, tudo é bastante transparente.

E mesmo com todo esse aparato ilegal, o diretor de transportes da Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito de Aracaju (SMTT), Antônio Vasconcelos, garante que a fiscalização por parte dos agentes de trânsito é diária e constante.
E os dados estão aí para comprovar a afirmativa. Em 2018 o órgão realizou 114 autuações a motoristas que realizavam o transporte clandestino de passageiros. Já em 2019, até o mês de outubro, a SMTT já contabilizava cem multas para este tipo de infração.


“A fiscalização do transporte irregular de passageiros faz parte do trabalho rotineiro dos agentes de trânsito da SMTT e as equipes atuam diariamente em regiões estratégicas da cidade, como nos pontos mais comuns e movimentados de embarque e desembarque de passageiros da capital. E quando há flagrante, o condutor é autuado conforme a lei n° 13.855, e o veículo é recolhido para o pátio da SMTT”, explica o diretor Antônio Vasconcelos.


Em outubro do ano passado, a legislação se tornou mais dura para quem comete esse tipo de infração. A lei nº 13.855, publicada no Diário Oficial da União em 8 de julho de 2019, passou a vigorar, tornando mais rigorosa a penalidade aplicada aos motoristas flagrados transportando passageiros mediante remuneração e sem a autorização devida, passando de infração média para gravíssima, onde o motorista é punido com multa e remoção do veículo, além de perder sete pontos na carteira de habilitação, como estabelece o Artigo 259 do Código de Trânsito Brasileiro.

Para a superintendente do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Município de Aracaju (Setransp), Raíssa Cruz, os prejuízos do transporte clandestino vão além do fator monetário.


“Esse prejuízo não é apenas financeiro, é um prejuízo de saúde pública. Em Minas Gerais, por exemplo, a gente vê uma pesquisa mostrando que 40% dos acidentes de trânsito foram em transportes clandestinos. A gente não tem um levantamento desse aqui, mas temos outras pesquisas que mostram números para nos fazer refletir, como por exemplo uma pesquisa realizada por dois médicos que equiparou o número de internações que o Huse recebe e ficou claro que 80% eram decorrentes de acidentes de trânsito envolvendo moto. Quando se destrinchou ainda mais, constatou-se que a maioria era de transportes clandestinos. Isso é um risco também para a saúde pública, que gera despesas para o Estado e para o município e o maior agravante: gera risco à vida das pessoas”, lamenta a superintendente.


Segundo ela, o crescimento no número de veículos vem atrelado a um montante que preocupa, neste caso, a diminuição no número de passageiros no transporte coletivo.

“Com o ingresso de mais carros nas vias, principalmente disputando espaço viário, já que embora a gente tenha as faixas exclusivas, a gente já tem um inchaço nas vias, engarrafamento crescendo cada vez mais. Para se ter ideia, o crescimento de carros nos últimos dez anos foi de 57% e a gente vê uma queda no número de passageiros de 31%, apenas de 2014 para cá. Na verdade, com mais carros nas vias, inclusive invadindo as faixas exclusivas do transporte que leva a maioria das pessoas, que é o ônibus, vemos também um transporte ilegal que não passa por nenhuma regulamentação e nem fiscalização”, explica Raíssa.


Por último, a superintendente alerta para os riscos para quem utiliza o transporte clandestino como alternativa no deslocamento.
“No transporte coletivo os ônibus são fiscalizados todos os dias antes de sair das garagens e os motoristas e cobradores passam por cursos com frequência. Já no caso dos clandestinos eles ofertam um tráfego e uma passagem num custo barateado, seja inferior à tarifa de ônibus ou pelo menos em valor considerável, soando como um valor acessível, mas, em contrapartida, não dá nenhuma segurança para a pessoa. No caso dos ônibus, nós temos itens de segurança que implicam numa tranquilidade maior ao usuário, inclusive nós vimos em 2019 uma redução de 80% no número de assaltos. As condições básicas de segurança são indispensáveis no transporte. Os clandestinos não possuem nada disso”, finaliza Raíssa Cruz.

|Foto: André Moreira.